quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

António Souto – Crónica (44)


O que nos vale é termos uma ministra diligente e entendida em matéria de cristas, e que já fez saber que, apesar do atraso, Portugal avançará com a brevidade possível no cumprimento da legislação comunitária. Fiquemos, pois, tranquilos.

Doidas, doidas as galinhas?!
Ainda não há muito tremíamos com o sintoma das vacas loucas e fungávamos com o prenúncio de umas aves longínquas que nos queriam arrastar para um estado gripal pandémico e dizimador, maldizendo assim uns quantos animais ameaçadores quando afinal não há animal mais facínora do que o homem, que, sendo como se sabe o lobo do homem, persegue e ataca igualmente todos os outros animais sem qualquer apelo nem agravo.
Felizmente, há uma união europeia vigilante, e nela uns quantos serviços zelosos que vão cuidando do bom relacionamento entre as espécies, daí que quando algum país prevarica não se coíbem de aplicar com o rigor que se exige a legislação que tão primorosamente produziram.
E o que observamos é que praticamente metade dos países europeus não leva a sério os animais seus semelhantes, crendo que estes, com os quais convivem, na rua como na mesa, não são mais do que animais, seres subalternos que, desprovidos de razão, são igualmente desprovidos de direitos e de honrarias (ah, com que deleite traumático assistíamos na infância às galinhas degoladas correndo pelo pátio fora, ou aos coelhos pendurados e esfolados a quente, ou ao porco de dez arrobas sangrado e chamuscado e esventrado junto à salgadeira…). Não senhor, se é preciso continuar a dedicação aos nossos canídeos e felinos, é também urgente curar de proteger os bovinos e os suínos, gado que tão maltratado tem sido por eurocidadãos desapiedados. E porque não há bela sem senão, os galináceos também não escapam ao ensejo protector das directivas, como agora se regista: «A diretiva 1999/74/CE exige que, a partir de 01 de janeiro de 2012, todas as galinhas poedeiras sejam mantidas em ‘gaiolas melhoradas’, com mais espaço para fazerem ninho, esgravatarem e empoleirarem-se, ou em sistemas alternativos.»
É claro que esta directiva especifica a casta das galinhas, casta nobre responsável pelo princípio do mundo e pela qualidade superior dos nossos idiossincráticos pastéis de nata, e não de qualquer variedade rafeira, tipo garnizés. E determina também as características das jaulas: «Só podem ser utilizadas gaiolas que prevejam, para cada galinha, pelo menos 750 cm² de superfície da gaiola, um ninho, uma cama, poleiros e dispositivos adequados para desgastar as garras, que permitam às galinhas satisfazerem as suas necessidades biológicas e comportamentais.» Ora aí está o busílis da questão, bichos engaiolados sem os devidos requisitos deprimem, e galinhas deprimidas é meio caminho para uma produção deficitária de zigotos e para uma multa mais que certa para os aviários infractores. O que nos vale é termos uma ministra diligente e entendida em matéria de cristas, e que já fez saber que, apesar do atraso, Portugal avançará com a brevidade possível no cumprimento da legislação comunitária. Fiquemos, pois, tranquilos.
Tranquilos, é como quem diz, que nos continuam faltando muitas mais directivas, ordenações imprescindíveis para a protecção do assédio turístico aos golfinhos do Tejo ou das investidas gastronómicas aos desventurados passarinhos fritos ou aos empalados leitões da Bairrada, que o que nos não falta é gente desumana e lambona que não olha a meios quando se trata de petiscos.
E agora que se acaba nas escolas a Formação Cívica, como hão-de as pessoas sensíveis de amanhã aprender a deixar de comer galinhas?

Crónica de Janeiro de 2012 de António Souto para o blog «Floresta do Sul»; crónicas anteriores: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28; 29; 30; 31; 32; 33; 34; 35; 36; 35; 37; 38; 39; 40; 41; 42; 43.

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