segunda-feira, 25 de outubro de 2010

António Souto – Crónica (29)

Se ao menos em vez de à Índia tivéssemos chegado primeiro à Lua, talvez hoje ela fosse nossa e nos pudéssemos lá refugiar. À sede não morreríamos, que afinal se crê haver por aquelas excelsas paragens muita água, e a ser verdade que por lá abunda igualmente prata, sempre poderíamos ter matéria de troca para nos amolecer os impostos e alçar a auto-estima.
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Palavras cruzadas
Faz agora um ano tomava posse um novo governo. Renascia então uma nova esperança com o sossegar de tensões e com a promessa de um novo ciclo. Infelizmente, os mercados mundiais trocaram-nos as voltas e esfumaram o tremeluzir de confiança e de convencimento apregoados, e vai daí, cai-nos em cima a crise. E a crise, como sempre acontece, deixa mossas. Em quase todos, grandes como pequenos, embora nos pequenos e médios seja a pancada maior e de cura mais difícil. Não será de espantar, por isso, que daqui a nada esteja meio Portugal inevitavelmente deprimido. É que a depressão (tal como o fado) há muito existe, e sendo triste, tenderá a agravar-se.
Dizem as estatísticas que um em cada cinco portugueses sofre deste mal, e não parece que as estatísticas contemplem já com rigor a crise galopante que em breve tornará ainda mais adversas as condições de vida. E se à crise juntarmos todos os outros factores que os especialistas consideram determinantes, não haverá anti-depressivos suficientes e suficientemente fortes que nos socorram.
Se ao menos em vez de à Índia tivéssemos chegado primeiro à Lua, talvez hoje ela fosse nossa e nos pudéssemos lá refugiar. À sede não morreríamos, que afinal se crê haver por aquelas excelsas paragens muita água, e a ser verdade que por lá abunda igualmente prata, sempre poderíamos ter matéria de troca para nos amolecer os impostos e alçar a auto-estima. Mas não, D. Manuel I tinha os sonhos bem mais curtos e, como dizia o poeta, não consta que soubesse de eleições.
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E porque veio o vate à colação, este é incontestavelmente um país deles – uns por mestria, outros por arrojo. E se D. Dinis, sendo rei, não se inibiu de cultivar a arte, nem Aleixo, sendo iletrado, não deixou de ser artista, por que razão não há-de um qualquer artífice de lhe tomar o pulso? Pelos vistos, basta apanhar a inspiração a jeito, assim como quem apanha o transporte em hora de ponta.
Foi o que aconteceu a um procurador em dia de julgamento. Chegou atrasado à barra e entendeu justificar-se, perante a juíza, com argumentos versificados, nada menos do que uma dezena de quadras lavradas no metro, entre o domicílio e o tribunal. E para memória futura, que na história da literatura só cabem alguns, vá de as ditar para a acta. O jornal «Expresso» (23/09), noticiando o facto de a magistrada não ter apreciado a habilidade poética, reproduziu quatro delas. Nós, com a devida vénia, e para aquilatar dos predicados, reproduzimos três: «Os comboios já vão cheios/ muitos se levantam cedo/ nas mulheres aprecio os seios/ mas têm outro enredo // Vejo brancos e pretos/ nacionais e estrangeiros/ alguns vivem em guetos/ outros em lugares foleiros // São sete e pouco da manhã/ viajo de metro para o trabalho/ fi-lo ontem, farei-o (sic) amanhã/ só sou aquilo que valho.
Nem D. Dinis, que não tinha gramática, nem Aleixo, que a não aprendeu, se atreveram a tanto nem deram da pátria língua tanto desacerto, que nem a rima se aproveita de tão desgastada. Um atentado, portanto. E não se julgue que o procurador saiu há pouco dos bancos da faculdade, não senhor, leva já largos anos de profissão em matéria de justiça, e, segundo o hebdomadário, que o cita, para cima de «mil poemas escritos». É obra!
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E se estas duas notas aqui ficam em crónica, é só porque, primeiro, não havia mais assunto que à partida a justificasse – que há ocasiões em que as palavras não vêm à tona –, e, segundo, porque, ditosamente, as conversações em torno de um orçamento prenunciado e a notícia de que «cerca de 250 mil portugueses sem emprego e sem o décimo segundo ano vão ser chamados no próximo mês para acções de qualificação nos centros de Novas Oportunidades» inspiraram o mote.
Qual o nexo entre umas e outras? Decifre o leitor.
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Crónica de Outubro de 2010 de António Souto para o blog «Floresta do Sul»; crónicas anteriores: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28.
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Uma proposta

Já cansa. A crise na televisão, comentada a toda a hora, sobretudo por economistas e políticos, ou ex-políticos. Lembro-me de que muitos já andaram pelo Estado a contribuir para a situação a que chegámos, como se isso fosse uma condição fundamental para agora serem comentadores. Apesar do cansaço que me fazem, não tenho nada contra a sua presença nos ecrãs. Gostava apenas que com a imagem de cada um aparecessem três dados: idade, idade com que se reformou e quanto contribui mensalmente para o défice por causa da(a) reforma(a). É uma proposta para tornar tudo mais claro. Há neste imenso grupo quem se tenha reformado com 47 anos, quem após uns anos na política tenha pedido logo a subvenção de uns milhares de euros por mês sem se lembrar de que ainda andava pelos 50 anos, gente que fez um part-time de alguns meses numa instituição pública para a seguir se reformar com valores de futebolista já não digo do Benfica mas pelo menos do Sporting. Há de tudo. Com estes dados, a cada programa com comentadores percebia-se melhor a crise, e como o país está verdadeiramente a saque.
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Contas de cabeça

Como agora passei a ser rico, ou pelo menos passei a pertencer a uma classe de privilegiados, os meus filhos, mesmo sem terem culpa de nada, vão deixar de receber abono de família. A crise a isso obriga, segundo dizem. O Estado Social não dá para tudo, segundo também dizem, por isso é preciso fazer opções. E contas, nem que seja só de cabeça. Eu fiz algumas, tendo como referência os valores dos abonos de família que vão acabar. Quantas crianças terão de deixar de receber abono de família para que se continue a pagar as reformas de alguns cidadãos? Contas de cabeça, por alto. Para pagar a reforma de Manuel Alegre, à volta de 90 crianças. Para pagar a de Alberto João Jardim, umas 120. Para pagar a de Cavaco Silva, perto de 180. A de Ernâni Lopes (que apregoa cortes de 30% nos salários mas reformou-se aos 47 anos), não mais do que 60 crianças. A de Marques Mendes (o das fusões & extinções), à volta de 80. Para pagar a de Mira Amaral, mais de 500 crianças (este é uma espécie de Tyrannosaurus Rex das reformas). Para a de Campos e Cunha, quase 230. A de Almeida Santos, umas 100 crianças. E dava para continuar a fazer contas. Podem-me chamar demagogo que eu não me importo. Nem deixo de fazer as minhas contas.
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Uma questão de pudor

«Prós e Contras» na RTP, faz hoje uma semana. Em discussão, «o aperto». Sindicalistas, empresários, políticos... O costume. Nada contra. Mas convidar Mira Amaral? 18.000 euros mensais de reforma por menos de dois anos na Caixa Geral de Depósitos... Por uma questão de pudor, poderiam ter evitado o convite.
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domingo, 17 de outubro de 2010

«Escritos & Escritores»

Uma imagem da participação no «Escritos & Escritores», este fim-de-semana, em Avis, no Alto Alentejo. Organização da associação ACA – Amigos do Concelho de Avis. Mais imagens aqui.
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Palavras cruzadas

Palavras cruzadas no blog de «O Sorriso Enigmático do Javali», aqui.
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quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Em Avis

Este fim-de-semana, em Avis. Participarei na mesa das 17 horas de sábado.
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Mineiro

As imagens do Chile... Trazem-me uma recordação de há muitos, muitos anos, de ter lido no «DN Jovem» um pequeno poema de Serafim Guimarães. Chamava-se «Mineiro» esse poema. Não me lembro exactamente da estrutura, por isso coloco-o aqui em prosa: «De sol a sol, cavando na direcção errada. O tesouro que procuras não está debaixo da terra.»
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sábado, 9 de outubro de 2010

Sem Queiroz

Portugal 3 – Dinamarca 1, sem Carlos Queiroz, jogando futebol e com entusiasmo.
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sexta-feira, 8 de outubro de 2010

O Nobel também chega aos escritores geniais

O Prémio Nobel, finalmente. Notícia boa, que soube ontem em viagem, pelo rádio, num dia triste para mim. Tenho quase todos os livros de Mario Vargas Llosa, embora não tenha lido os mais recentes. A notícia trouxe-me a lembrança de horas e horas de leitura, há dez, quinze, vinte anos, sobretudo de «A Tia Julia e o Escrevedor», dos dois romances onde aparece o polícia Lituma, de «A Cidade e os Cães» ou de «Pantaleão e as Visitadoras». Por vezes, o Nobel também chega aos escritores geniais.
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quarta-feira, 6 de outubro de 2010

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Merecer o palco

O lançamento de «Milagrário Pessoal», de José Eduardo Agualusa, na semana passada. Entre trabalhos, passei por lá, no Clube Ferroviário. Sítio magnífico, a ver o Tejo, e muita, muita gente. Acho que me tinham mandado o livro, mas de tarde não o encontrei na pilha da D. Quixote em cima da secretária. Comprei um exemplar e trouxe um autógrafo fantástico. Apesar de tudo o que se tem falado, ainda não conhecia nada do livro, mas os excertos lidos por Fernando Alves – em cima de um palco que partilhou com o autor – deixaram-me impressionado. Textos de uma estranha beleza, leitura a tocar o encantamento. Lembro-me do que pensei na altura, que se alguém merecia um palco eram aqueles dois.
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