terça-feira, 2 de março de 2010

Portugal, hoje

Uma reflexão sobre Portugal, do meu amigo Carlos Antunes, publicada inicialmente aqui.
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Os salteadores da pátria perdida
«Portugal não tem dimensão para se roubar tanto.» Pedro Ferraz da Costa, presidente do Fórum para a Competitividade e ex-líder da Confederação da Indústria Portuguesa (CIP), «Expresso» de 15.08.09
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Os casos recentes ou mais antigos que retratam as redes de corrupção que abrangem agentes políticos do Estado e executivos da alta finança (Operação Furacão, Portucale, Freeport, BPN, Submarinos, Face Oculta, etc) são realmente a visibilidade do estado a que chegou o regime democrático instituído no pós-25 de Abril.
À sombra da ética republicana, assistiu-se a um conúbio entre o poder político e económico, que propiciou um quadro de oportunidades para um acumular súbito de riqueza por parte de políticos como não há memória de presenciar.
Esses políticos, de um modo geral, chegaram ao exercício da política sem grandes recursos que não fosse o sentido de oportunidade, a esperteza prática, a determinação e a dedicação dos ambiciosos, e também a resistência e o facto de pouco ou nada terem a perder.
À sombra dos poderes instituídos, tiveram um sucesso para além de tudo o que podiam imaginar. E tiveram sorte: a cornucópia de fundos comunitários; os novos grupos económicos saídos das privatizações à procura de contactos, de acessos, de respeitabilidade; e a acumulação de riqueza na bolsa, ainda por cima – numa época de media não submetidos aos ditames da falta de vendas que os não sujeitavam a escrutínio – abriu portas a riquezas suspeitas e a futuros insuspeitos.
Na fase formativa da sua vida política, de um modo geral jovens, vindos da província, formatados politicamente nas juventudes partidárias, provaram o fruto encantador e embriagante do poder e de tudo a que ele se liga. Ganharam eleições, destruíram oposições, comandaram legiões, conspiraram, foram recebidos nos salões da alta burguesia renascida e nos «montes» senhoriais da velha aristocracia, acreditaram que Portugal mudara, que era um país novo e diferente do que lhes fora legado, e que se encontravam predestinados – bafejados pelas deusas da Oportunidade e da Fortuna – a ser a nova elite que se perpetuaria no poder e nos poderes.
No fundo, quais caçadores da arca perdida do Indiana Jones, estes salteadores da pátria perdida (e sem rumo) têm vindo ao longo dos anos a roubar as nossas parcas riquezas, sequestrando e escravizando os cidadãos.
Agora, no momento de terem de responder pelos valores do património nacional que lhes foram confiados e que se entretiveram a delapidar num universo de roubalheira demasiado gritante para ser encoberto por segredos de justiça, tiveram mais uma vez sorte: a sorte de contar com a lentidão de uma Justiça inepta e incapaz de investigar, julgar e punir devidamente tais crimes; a sorte de se apoiarem num Jornalismo que de verdadeiro quarto poder – em que só pela sua acção se sabia a verdade sobre os «podres» forjados pelos poderes político e judicial – passaram a esconder as verdadeiras notícias e a «prostituir-se» na sua dignidade profissional com a transmissão dos «recados» daqueles poderes, sentando-se à mesa dos corruptos e com eles partilhando os despojos.
Tudo isto lhes deu tempo.
Tempo para que os delitos caiam no esquecimento e a prática de crimes de corrupção por parte dos agentes políticos do Estado e dos executivos da alta finança se torne habitual e seja por isso desconsiderada.
Tempo para que estas práticas sejam toleradas, para que nada se esteja a fazer para lhes pôr termo.
Tempo, enfim, para se protegerem uns aos outros com o envio de uma mensagem cada vez mais interiorizada pelo comum dos cidadãos: «nos grandes ninguém toca».
Depois de salteadores, tornaram-se eles próprios intocáveis.

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3 comentários:

magda disse...

Li. Com atenção.
Este Carlos Antunes será um Carlos Antunes que conheço de velha data? Vou ficar com a dúvida. Culpa minha tenho andado alheada de blogs.

amv disse...

Magda, o Carlos Antunes autor do artigo é este
http://www.human.pt/historico/artigos/autores/carlos_antunes.htm

Abraço,

António

amv disse...

www.human.pt/historico/artigos/autores/carlos_antunes.htm