quarta-feira, 2 de setembro de 2009

António Souto – Crónica (15)

Décima quinta crónica de António Souto, depois desta, desta, desta, desta, desta, desta, desta, desta, desta, desta, desta, desta, desta e desta. O António mantém uma crónica («Ex-abrupto») no jornal da sua terra («Jornal D’Angeja»). Esta é a da edição de Agosto de 2009.
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Andanças
Férias que são férias querem-se a laurear, longe do tecto que nos abriga o ano inteiro e nos envilece o espírito.
Reposta alguma saúde e reunida a família, rumámos manhã cedo ao Algarve, não que houvesse pressa, questão somente de fugir à previsível torrente na ponte 25 de Abril com veraneantes desejosos das areias da Caparica. Fizemos uma paragem na zona de Aljustrel, para abastecimento dos corpos e da viatura. Os carros eram à pinha, carregadinhos de tralha e de impaciências, via-se que era o primeiro dia do mês. Por entre o bando apeado, com uns quantos nipónicos excursionistas à mistura, descobrimos uma família chinesa nossa amiga, que se dirigia para Marbella. Estavam com mais mecha do que nós, que para mais longe iam.
Em Quarteira, já acomodados e repousados, fomos dar o primeiro giro pelo Calçadão. Nem duzentos metros caminhados e, surpresa, eis a vizinha que às sete da manhã encontráramos à saída do prédio, do nosso prédio, a uma distância próxima dos trezentos quilómetros. Coincidências, pois claro, que nenhum de nós confidenciou o destino, sequer a viagem. Pouco tempo volvido, igual coincidência nos pôs lado a lado com uma família de Lisboa, também nossa conhecida, esticados que estávamos todos na mesma estrema areenta de Vilamoura.
E assim, em plácida rotina, se foi levando a boa semana algarvia: praia de manhã, peixe grelhado ao almoço, leituras e piscina à tarde e, à noite, à beira-praia, passeio higiénico. Nada de incomum! Isto é…
Numa visita frustrada a Vila Real de Santo António, onde a SIC se encontrava, e para dar um abraço ao amigo José Carlos Barros (Vice-Presidente da Câmara Municipal e ocasional anfitrião da estação televisiva), resolvemos ali dar um saltinho, pouco mais de cinquenta quilómetros. À entrada da cidade, hora de almoço, partiu-se o elevador do vidro da porta traseira esquerda do carro. Meia volta e Quarteira de novo em busca de uma oficina para a recomendável reparação. Nada, nem uma oficina, aberta ou fechada, só em Almancil, informou-nos um local. Que não, com sorte só passados uns dois dias teríamos a peça, quando muito poderiam tentar escorar o vidro com uma braçadeira. Concordámos e, por uns desprezíveis vinte euros, que a vida custa a todos, fez-se o favor. Pena, mesmo, foi o dia perdido e o almejado abraço por dar. Há coisas piores!
Chegados a Lisboa, noticiava-se o passamento de Raul Solnado. Um momento de comoção, daqueles que, incomummente, nos toca mais fundo. Nos dois ou três dias seguintes muito se falou do assunto, que o artista era merecedor de uma homenagem retrospectiva. O artista e a sua pessoa. Triste foi ver e ouvir, por vezes, em programas de entretenimento, misturar-se Solnado com epopeias e dislates de um jet-set português, por ser importante nestas ocasiões, como se sabe, mostrar esta risível gente ao ‘mundo’, as relações de grandeza social que mantêm. Solnado, do outro lado do palco, continua a rir-se de tanta indecência.
Feita uma pausa de uns quantos dias em Agualva, com um salto à Torre de Belém e ao Padrão dos Descobrimentos (com uma bonita mostra de Gaitas de Foles de todo o mundo), turistas como os demais, com passagem (e apenas isso) pelo Centro Cultural de Belém, com ‘revisitação’ às otárias do Aquário Vasco da Gama e arejamento pela baía e marina de Cascais, seguimos para norte.
Apeadeiro em Aveiro, por ali, e ala para a Galiza que se faz tarde. Vigo, Pontevedra, Santiago de Compostela, A Coruña, Lorbé, Souto, Sada, Baamonde, Betanzos, Bergondo. Topónimos em círculo que se confundem numa cartografia pouco experimentada. Entrementes, um baptizado e uma mão cheia de afectos a comprovar raízes comuns, como num «alecrim, alecrim aos molhos» que a tradição popular conserva.
Debaixo de chuva (em jeito de primaverão, como alguém propõe), de novo Aveiro, de raspão, e, já com sol, Viseu e Carregal do Sal e Cabanas de Viriato (com Aristides de Sousa Mendes cansado de tanta espera) e Beijós e Sangemil, roçando as termas. Incursão por Moimenta da Beira, Aguiar da Beira e Sernancelhe. Ao início de uma noite, pulada ao Palácio do Gelo (com mais gelo que palácio) e à Feira Franca, dita de São Mateus, ou vice-versa, para gáudio das catraias. Tudo igual, consumo e diversão.
Lisboa não tarda, outra vez com uma janela do carro empanada (agora a da porta traseira direita, por causa das cócegas) e uns milhares de voltas no conta-quilómetros.
Terminados estes fatigantes excursos, o calor insiste em nos martelar este verão de férias – que desventuradamente se acabam mais depressa do que o verão. E apetece, oh se apetece, descansar. Se ao menos o trabalho pudesse esperar um mesito mais (como o vencimento), só até às eleições, para assim rematar estas andanças em beleza…
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1 comentário:

CARUMA disse...

Se o patrão descobrir que as férias dos trabalhadores são tão cansativas, acabará por eliminá-las.
Por isso é melhor não nos queixarmos.