quarta-feira, 29 de outubro de 2008

O mar, um destes dias

Uma crónica de Luís Graça (6)

Sexta de uma série de crónicas do Luís Graça. Anteriores: 1, 2, 3, 4 e 5.
Nota: escrita para o projecto «Cidades Crónicas», um espaço da lusofonia com grande colaboração de brasileiros (o que justifica certas explicações ao longo do texto); o Luís participou no projecto em 2006 e 2007 a convite do seu criador, Paulo José Miranda.
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Um mouro na invicta
«Mouros, mouros, andamos nós a trabalhar o ano inteiro lá em cima para vocês torrarem tudo cá em baixo.»
Foi assim. Há uns anos valentes. Um adepto portista (torcedor do Futebol Clube do Porto) e portuense (presumo que o senhor fosse natural ou habitante da Cidade Invicta) não resistiu às provocações bem-humoradas de um adepto do Sporting em pleno Estádio de Alvalade (o antigo estádio do Sporting, em Lisboa).
A discussão começara a propósito de uma jogada qualquer entre «leões» (Sporting) e «dragões» (Porto). Rapidamente passou do futebol para o famoso e clássico Porto – Lisboa, bem ao estilo de um duelo verbal entre cariocas e paulistas.
Esta pequena história, presenciada na bancada Superior Norte de Alvalade por um sportinguista (eu) e um portista e portuense (o meu amigo Manuel Perez), serve para ilustrar as enormes diferenças culturais que três centenas de quilómetros podem provocar.
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Gosto do Porto. Do Porto-cidade de gente com o coração quente e a língua sempre afiada para um vernáculo consagrado, cujo templo é o Mercado do Bolhão, onde as vendedoras exercitam a bem-falância de insultar sem maldade, como dizia outro amigo meu, que exerce o mister de camionista.
Passei mais de dez anos sem ir ao Porto. O casamento de uma prima levou-me de volta às margens do Douro (o rio que banha a cidade, onde navegam os barcos com os tonéis do famoso Vinho do Porto).
Fiquei triste. A crise económica e as obras deram à cidade um ar ainda mais cinzento e circunspecto do que aquele que lhe era já bem tradicional.
Na Praça da Batalha, onde fiquei instalado, os toxicodependentes misturam-se com as gaivotas e os pombos (em confrontos por vezes letais para os pombos, na discussão da migalha diária); com os estudantes que desenham a fachada do imponente Teatro de S. João, enquanto a cem metros de distância a palavra «Águia» no topo de um edifício sujo é apenas um jazigo do defunto cinema onde os cartazes de «Os Vikings» (com Kirk Douglas e Tony Curtis, realizado pelo falecido Richard Fleisher) me fascinaram sem remissão.
Em pleno século XXI, há pessoas que consideram andar de skate um passatempo eticamente reprovável. Em frente do falecido cinema, os miúdos espinoteiam alegremente, enquanto um cidadão não resiste a invectivá-los: «Vão trabalhar, caralho!»
O Porto é agora uma cidade em que os grandes centros comerciais asfixiaram o pequeno comércio. As lojas são cada vez mais iguais. E mesmo a vetusta Livraria Lello, um prodígio arquitectónico, não resiste à ignorância de algumas pessoas, porque os livros são um luxo. «A Lello? Não sei. Mas há ali uma livraria antiga.»
O Majestic, deslumbrante café no centro da cidade (na Rua de Santa Catarina, que deu origem ao pequeno poema de Jorge de Sousa Braga, chamado «Nos semáforos de Santa Catarina» – «ao menos os teus olhos/ permanecem verdes/ todo o ano») é mais frequentado por estrangeiros do que por portugueses. Paga-se nove euros e setenta e cinco cêntimos por um «Chá à Majectic» (dá direito a chá, cacau ou leite, torradas com compota, scones e uma tarte), mas sabe-se que é apenas um investimento. A limpeza da alma também se paga. Faz muito bem ficar sentado nas mesas do Majestic a ouvir o piano e ver os empregados a circular nas suas fardas brancas, a lembrar os grumetes de navio.
À noite, sai-se do Majestic, sobe-se a Rua de Santa Catarina e corta-se à esquerda por alturas do Automóvel Clube de Portugal. Junta de Freguesia de Santo Ildefonso. Por baixo de um dos únicos edifícios construídos em Portugal para abrigar jornais (no caso o «Jornal de Notícias», líder de vendas), travestis brasileiros e putas portuenses de baixo nível dividem o território numa aparente coexistência pacífica, lado a lado. Nem Santa Catarina nem Santo Ildefonso valem de nada, para as presas dos azares da vida, sejam brasileiras ou lusitanas. Os carros passam no viaduto. As putas estão paradas à chuva. A vida continua.
Alguns metros acima, o Pérola Negra (há não muitos anos famoso pelos espectáculos de sexo ao vivo) converteu-se à língua inglesa e vende Table Dances a cinquenta euros, com entrada a vinte e cinco, correspondente ao consumo mínimo. De ténis não se pode entrar. Nem tampouco de boné, gorro ou lenço na cabeça.
Fiquei à porta. Vi as fotos das strippers. Cheiro de Leste e Brasil. Mas não soube se eram apenas fotos exemplificativas ou se correspondiam às strippers a trabalhar na casa.
A madrugada pode ser boa conselheira. Aconselhou-me a ler a situação. Raciocínio rápido, marcha lenta e descontraída. Podem ser uma boa combinação para evitar um assalto. Não sei se ia acontecer. Podia ter acontecido. Como um pequeno tubarão curioso, um sujeito de mau aspecto e cabelo apanhado em rabo-de-cavalo farejou-me a existência despistada. Talvez a burguesa exibição do meu blusão de pele proporcionasse pensamentos libidinosos ao moinante.
A precaução não deixou o pânico tomar conta de mim. A Câmara Municipal estava a cinco minutos de distância, numa avenida central agora transformada em terreno bombardeado por B-52. Ou talvez seja apenas as crateras/ cicatrizes provocadas pelas obras do Metropolitano.
Um café clássico está travestido de MacDonalds. Não chove, mas está frio. O blusão e o cachecol sabem-me bem. Regresso à Messe da Batalha com duas sanduíches de queijo embrulhadas.
Passa das duas da manhã. Leio os jornais do dia, presos a um pau, fechado a cadeado. Um hábito que não conheço em mais lado nenhum. Como se o leitor se pudesse transformar em toureiro e sacasse de meia-dúzia de verónicas (passe de toureio) para fintar as más notícias com traje de luzes.
Na secção de «Massagens», o calor humano do Porto faz-se sentir. É uma prostituição mais aconchegante, como uma sopa dos pobres, como um pedido de desculpas, uma carícia nos cabelos encaracolados do Princípezinho de Saint-Exupéry. «O que significa cativar?»
«Universitária + amiga. Por necessidade atendem cavalheiros e casais. Show lésbico.»
«25 anos. Faz convívios para poder pagar a renda. Ajude-me.»
«A iniciar. Polaca. Seja educado.»
«Senhora 25 A, loira. Não sou profissional. Recebe alguns amigos em troca de pequena ajuda. Não ligue para brincar.»
Priscila, mulata brasileira, quer brincar. Gosta de sexo. É garota de programa há sete meses. Confessa muita coisa no blog e recusa comparações com Bruna Surfistinha, que começou por se prostituir, experimentou a escrita epistolar blogueira, lançou um livro e reformou-se como celebridade nacional, sem perder a vergonha de sentir o peso da condenação familiar.
Priscila diz apenas que a sua família não pode saber.
Mas não tem medo de assumir a sua preferência clubística: Benfica. Há posts e mais posts sobre o seu clube do coração em Portugal. E nem sequer se importa que os jogadores do Futebol Clube do Porto que conhece pessoalmente possam ficar irritados com o facto. A ideia não é essa.
Para além do Benfica, os clientes também dão prazer a Priscila, que tem de fazer um esforço para não se deixar envolver. Priscila tem orgasmos com os clientes. Precisa de quarenta minutos antes de qualquer marcação. Porque não há desculpas para o desleixo e a falta de higiene. Aprendeu com os seus pais.
«O trem é bagunçado, mas mesmo assim tem gerência.»
Priscila choca-se com a falta de exigência de alguns clientes. É vaidosa. Escreve muitas vezes que é gostosa.
«Tem uns [clientes] que não dispensam nada. Pegam tudo que é bagaceira.»
E o casamento?
A minha prima Irene pegou na faca e arrependeu-se à última da hora, olhando com alguma desconfiança para o bolo de noiva.
«Passo-lhe a palavra para cortar o bolo.» E o sabre imponente passou para as mãos do diligente funcionário do Hotel Nave.
Fui para o bar, ver um jogo de voleibol entre o Benfica e o Vitória de Guimarães. Até à hora do futebol (Sporting de Braga – Benfica) estive só. Depois o bar fervilhou de provocações, uns pelo Benfica, outros contra.
Acordei sem ressacas e fui fazer uma aula de hidroginástica para o Holmes Place da Boavista, onde encontrei um campeão de Riade (Portugal foi campeão mundial de Sub-20 na Arábia Saudita, em 1989). Como agora tenho barba, o Jorge Couto não me reconheceu.
Anónimo continuei na hidroginástica. Mas a sentir o calor humano dentro de água, principalmente quando a monitora Rosália se mandou para dentro da piscina vestida e tudo, executando os exercícios com os alunos, num carnaval de ritmo e salpicos que meteu «rodinhas» e «lagartinhas». No Holmes do Arrábida Shopping (em Gaia, do outro lado do Rio Douro) senti o mesmo calor humano dentro de água. Com um núcleo totalmente diferente.
Regressei de comboio, a ler a revista «Águas Furtadas», cujo editor é o meu amigo Rui Amaral, que já não encontrava desde 1996. Prometi-lhe um conto.
E bamos acabar esta crónica, carago, que já bai longa.
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terça-feira, 28 de outubro de 2008

Um bocadinho de um conto

É apenas um bocadinho de um conto. O primeiro bocadinho que aqui coloco do livro de contos que tenho vindo a escrever e que ainda demorará algum tempo a acabar. O pequeno Chuckie em todos os contos, e muitos animais; para já tenho duas perdizes, uma gineta, uma águia, um lagarto e um javali.
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O pai do pequeno Chuckie costumava falar de uma mulher a quem chamavam a Perdizinha, uma mulher de tempos já passados. Tratavam-na assim porque era muito pequena, mas sobretudo por andar depressa. Uma mulher rápida e pequenina, um verdadeiro contraste com outra desses tempos, a Pata Larga, forte, alta e sempre a gabar-se de que calçava o quarenta e três. A Pata Larga, tinha-lhe o pai contado, falava como se carregasse na boca dois torrões de terra, um de cada lado, quem sabe se por causa dos equilíbrios, embora ela não precisasse muito de equilíbrios, principalmente por causa dos pés alongados.
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segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Dois cobradores de fraque

António Souto – Crónica (4)

Quarta crónica de António Souto, depois desta, desta e desta. O António mantém uma crónica («Ex-abrupto») no jornal da sua terra («Jornal D’Angeja»). Esta é a da edição de Setembro.
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Desatinos daqui e da terra do Pai Natal
Situação delicada! Enorme transtorno! Dieta forçada! O refeitório do Parlamento, por recomendação da ASAE, encerra para melhoramentos. A ASAE irrompe finalmente pelo poder legislativo adentro. Nada de especial, nada de privilégios, o exemplo deve vir de cima. A lei é a lei, que é como quem diz, dura lex sed lex! O problema, diz a televisão, é que os trabalhos de requalificação só agora vão começar, terminadas que são as férias no hemiciclo, e por um período previsível de dois meses; e o maior problema é que, como todos sabem, em Portugal a previsão das obras acaba sempre por se arrastar um pouco mais; e o problema maior de todos é os senhores deputados ficarem sem local para as suas refeições, e logo por um lapso de tempo tão grande. Só faltou mesmo acrescentar: Um escândalo!
Sim, porque isto gera um enorme transtorno na vida horária das sessões e dos plenários (e já basta terem-se os senhores deputados deslocado para a sala do Senado, que a principal também se encontra em obras de beneficiação), e então nos outros lugares amesendados nas imediações da Assembleia da República nem se fala, que não estão por certo preparados para esta imprevista correria sazonal dos parlamentares, para já não falar no desembolso acrescido que estes terão de suportar, que o subsídio de refeição não dará para cobrir a conta dos almoços. Um incómodo dos diabos, como se antevê. E por isso a televisão compareceu e deu eco deste desconcerto, porque Assembleia da República há só uma e nela está Portugal inteiro.
Nada que se compare com escolas sem refeitórios (ainda), com alunos sem refeições e com pais sem dinheiro para elas, mas escolas há muitas e a televisão não pode chegar a todas, e como não pode chegar a todas o melhor é não chegar a nenhuma. Mas a ASAE est(ar)á atenta.
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GNR consegue evitar que caixa multibanco seja esventrada no meio dum despovoado. Cenário: uma carrinha com porta traseira aberta; caixa multibanco fora da carrinha, no chão; um gerador de corrente eléctrica; uma rebarbadora; um agente da autoridade explicando o sucedido à televisão. Os larápios foram «apanhados» em flagrante a tentar abrir à força a dita caixa, certamente uma das que fora roubada nas vésperas.
«Apanhados» é como quem diz, que os indivíduos conseguiram fugir numa viatura de alta cilindrada, pelos vistos pelo ermo afora, a toda a velocidade, mas os agentes tinham tudo controlado (ou quase), que quando desconfiaram de algumas movimentações deram logo o alerta a outras forças, e outras patrulhas cercaram logo a zona. Depois foi só surpreendê-los com a boca na botija, ou quase, que eles avistaram os captores e esgueiraram-se pelo descampado além, num carro de alta cilindrada. E estavam armados, estavam, mas não houve troca de tiros, ninguém se magoou, até porque os larápios abalaram a todo o gás numa viatura de alta cilindrada por entre as patrulhas que os cercavam. E para trás ficava a prova do êxito da operação, a caixa multibanco por arrombar com gerador eléctrico e esmerilhadeira ao lado. Tudo como planeado, só que os artistas tinham um carro de alta cilindrada e romperam o cerco, o cerco que as patrulhas tinham montado naquele quase montado. Isto há dias aziagos…
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Dia vinte e três de Setembro. «Na Finlândia, pela segunda vez em dez meses», um novo massacre numa escola. Da primeira vez, foram assassinados oito jovens; desta vez, foram assassinados dez jovens e feridos três. Cite-se a imprensa: «Em Novembro, um jovem de 18 anos, Pekka-Eric, entrou armado na escola secundária local e matou sete colegas e uma professora. Agora, Matti Juhani Saari terá procurado copiar o massacre de Tuusula em muitos dos seus pormenores. Tal como Pekka-Eric, também se filmou a disparar, imitou as mesmas posições e colocou o vídeo na Internet. Lado a lado, as imagens parecem a repetição do mesmo acontecimento.» Armas, novas tecnologias, juventude – matéria que dá que pensar, sobretudo quando esta questão se passa no país da Nokia e do Pai Natal, num país do norte, país-referência, exemplar, para muitos outros países como nós, ditos do sul da Europa. Num depoimento de alguém que conhece bem a realidade da Finlândia, acrescenta-se: «Os finlandeses procuram não precisar de ninguém e tendem a isolar-se. Aliás, as crianças são educadas desde muito cedo para a autonomia, ao ponto de ser raríssimo ver uma criança de mão dada com o avô ou com o pai na rua. Os jovens vivem voltados para a televisão e para a Internet, onde têm comunidades virtuais de amigos, pelo que os pais não têm qualquer controlo sobre a forma como passam o dia.» Citações do jornal «Público» (24.09.2008)
Dia vinte e quatro de Setembro. Debate quinzenal com o Governo na Assembleia da República. De entre os assuntos em destaque: «Código do Processo Penal» e «criminalidade», do lado da oposição; «e-escolas» e «e-escolinhas», do lado do Governo.
As temáticas, a sul como a norte, aproximam-se. Porém, onde lá afloram já preocupantes consequências com a eventual influência das novas tecnologias, reina cá a euforia e o quase deslumbramento pela circum-navegação do neo-magalhães. Compreendemos, mas…
Ninguém negará o nosso atraso nesta matéria; ninguém negará a inequívoca mais-valia das novas tecnologias na qualificação das pessoas; ninguém negará o seu imprescindível recurso num mundo globalizado; ninguém negará que o seu conhecimento se deve adquirir em idade escolar. Mas convirá igualmente avaliar com seriedade a sua conveniente utilização. Quantas horas passam diariamente os alunos diante do computador? Que fazem eles enquanto o manuseiam? Quem controla os jovens e/ ou os orienta? Que cautelas assumem os pais face à desprotegida manipulação deste instrumento? Com quem comunicam os adolescentes, por vezes horas a fio? Que proveito tiram efectivamente deste precioso recurso em termos de aprendizagem? Que efeito produz na sua sociabilidade?
O tempo, porventura não muito longínquo, dar-nos-á respostas. Com ou sem Pai Natal…
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Um bronco?

Cada vez mais tenho a sensação de que Paulo Bento pode mesmo ser um bronco. Ao certo não sei se é, mas a ideia que fica é a de que pode ser. No Sábado ouvi-o falar novamente de Vukcevic; uma série de asneiras que qualquer treinador inteligente guardaria para si e para aqueles que o acompanham no clube. Com Paulo Bento não é assim; ele fala, fala, fala, às vezes irrita-se e diz «ó amigo» ao jornalista, e depois de as asneiras já terem saído põe-se a dizer que não quer voltar ao assunto. Demasiado tarde, como facilmente se compreende mas ele dificilmente alguma vez compreenderá. Na volta, no caso de Vukcevic, até pode ser que tenha razão no que diz, mas o facto de o dizer na comunicação social tira-lhe toda essa razão; e eu nem estou certo de que tenha razão. A verdade é que Paulo Bento mostra grandes dificuldades no relacionamento com os jogadores. Eu podia gastar aqui duas ou três linhas com nomes, mas não vale a pena. Só falta agora descobrir que também se incompatibilizou com Yannick e que por isso é que o deixou de fora do jogo de ontem à noite (Paços de Ferreira 0, Sporting 0), à semelhança do que fez a Miguel Veloso. Já na época passada, no início, Paulo Bento começou a embirrar com Yannick; espero que não acabe por estragar um dos melhores jogadores do Sporting, que até tinha sido o autor do golo na última vitória em Paços de Ferreira. Aliás, é tanto mais estranho para mim que Yannick não seja titular no ataque do Sporting quando eu defendo que na selecção nacional ele também o deveria ser (teria dado muito jeito contra os albaneses no lugar daquele trambolho que Queirós mandou vir de Bremen). Para acabar, devo dizer que ontem à noite o jogo me deu sono, algo bem diferente do que aconteceu na segunda parte do jogo do Leixões, no Sábado, algo verdadeiramente empolgante.
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domingo, 26 de outubro de 2008

As primeiras palavras

Começa assim o meu próximo romance (a edição será da Quetzal):
Há muito tempo que escrevia este livro. Alguns anos. Mas escrevia-o apenas na minha mente, com o que pensava, com tudo aquilo que ia recordando. Se tivesse conseguido reunir as palavras necessárias para contar a história, se as tivesse encontrado, escolhido, até se tivesse inventado algumas para na volta fazer boa figura, tudo haveria de ser, digamos assim, mais normal. Era uma vez… Eu, de noite, uma noite muito quente, abafada, próximo do que julgava insuportável, uma noite com o fogo. Como se vivesse sempre essa noite. Como se ela tivesse passado a existir de uma forma definitiva. Um filme a voltar inevitavelmente ao princípio. A ideia de haver um tipo de cinema circular, ou aos círculos, marcado por um momento um bocadinho forçado, mas apenas um momento, fugaz, aquele em que de repente se passava do fim para o princípio e tudo voltava a acontecer. Tudo, desde o princípio. Eu ainda em casa, depois de ligar a televisão. Teriam passado dez ou quinze segundos sobre o aparecimento das imagens no ecrã. Não mais do que isso. Era de noite na televisão, como era de noite naquele sítio, o da casa. A minha casa. Estavam em directo com as notícias. Tudo ardia, dava até a ideia de que a câmara filmava bem dentro das chamas; mas não, nem ela nem quem a segurava corriam qualquer risco. Era a objectiva que fazia o milagre, como se naquele momento não houvesse mais nada no mundo em que gastar milagres. (…)
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Ontem

Ontem, o Atlântico alentejano, pouco antes de se perceber que lá mais para norte havia um estranho bicho à deriva; um dragão mal orientado.
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sexta-feira, 24 de outubro de 2008

JRS comentado

Ver aqui alguns comentários à desastrosa entrevista de José Rodrigues dos Santos (JRS) ao «Diário de Notícias». Já na altura da saída do romance anterior o ouvi na rádio, com o mesmo tom, obcecado em falar mal de outros escritores portugueses.
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quarta-feira, 22 de outubro de 2008

O inquilino

Roubei o título deste post a um dos meus três escritores favoritos, o espanhol Javier Cercas (os outros são o colombiano Santiago Gamboa e o chileno Roberto Ampuero). Cercas, autor dos fantásticos romances «Soldados de Salamina» e «A Velocidade da Luz», escreveu quando ainda não era famoso uma novela inesquecível com este título, em que já entra inclusive uma das personagens de «A Velocidade da Luz». Aqui, neste post, o inquilino é um grilo, o da foto. Vive cá em casa e anda sempre de um lado para o outro; sala, quartos, corredor, cozinha (e também costuma ir até à rua), ou seja, já deve ter perdido a conta aos quilómetros que faz. É preciso andar com muito cuidado para não o pisar, porque a verdade é que nunca se sabe bem de onde ele pode aparecer; de entre os livros de uma das prateleiras que na sala estão junto ao chão, de debaixo de um sofá, de detrás do fogão, da parte amachucada de um tapete. De algum lado ele aparece. É o inquilino cá de casa, com presença sempre garantida. O que vale é que parece que é mudo.
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Um marcador

A propósito disto, vale a pena ver um dos marcadores que no Blogtailors arranjaram.
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Na Ucrânia

Não foi só pela vitória, foi pela entrega dos jogadores, pela sua capacidade de luta; esta noite gostei muito da exibição do Sporting na Ucrânia – Shakhtar Donetsk 0, Sporting 1 (Liedson). Lembrou-me jogos de outras épocas de Paulo Bento, quando Paulo Bento era mais treinador do que é agora. De entre todos os que estiveram em campo, um destaque óbvio para Liedson; se o Sporting tivesse para cada posição jogadores do nível dele (e o mesmo para treinador e dirigentes), dá-me a ideia de que ganharia a Liga dos Campeões nas calmas. O Shakhtar também esteve muito bem, ao não nos complicar a vida; aliás, nesta jornada da Liga dos Campeões todos os clubes ucranianos estiveram muito bem.
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terça-feira, 21 de outubro de 2008

A estupidez

Ver aqui.
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Árvores derrubadas, por estes dias

A frase da noite

«Há um famoso filósofo contemporâneo que diz que ‘previsões só no fim do jogo’.»
Alberto Castro, economista e professor universitário, esta noite, no programa «Prós e Contras», da RTP, sobre a crise dos mercados financeiros (Alberto Castro citou este «famoso filósofo contemporâneo» segundos depois de ter citado o poeta espanhol Antonio Machado; já agora, no mesmo programa, o jovem empresário Miguel Júdice disse à apresentadora, Fátima Campos Ferreira, que «é preciso eliminar certas gorduras» – ela não percebeu bem e interpelou-o, e aí ele respondeu que estava a referir-se às empresas em geral)
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segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Feira do Livro de Belgrado

Na próxima quinta-feira, pelas 21h30, vou estar na Feira do Livro de Belgrado para falar sobre o meu próximo romance.
(ok, desta vez é mentira)
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À solta

Ver aqui. As capas dos novos livros da Quetzal.
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domingo, 19 de outubro de 2008

Impossível comentar

O jogo do Sporting em Leiria – Leiria 0, Sporting 1 (Liedson) – foi tão deprimente que por mais que eu queira não consigo deixar aqui grandes comentários. A equipa não parece com capacidade para entusiasmar os adeptos, tirando a honrosa excepção de Liedson, que acabou por regressar aos golos. Nem se pode considerar como atenuante o estádio onde o jogo se realizou, com os espectadores a serem substituídos por cadeiras coloridas, coisa que na televisão até disfarça; o Sporting, mesmo naquele ambiente desértico, frio, apocalíptico, devia ter mostrado mais qualquer coisa. Uma nota ainda para Polga, que ao fim de meia dúzia de anos no clube fez um remate à jogador.
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sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Setenta e cinco

Setenta e cinco números depois do Verão de 2002, termina por estes dias o meu trabalho na «Pessoal». Coloquei aqui o meu último editorial, como costumo fazer a cada mês. O projecto, obviamente, continua.
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Os novos romances de Saramago e Rodrigues dos Santos

Este ano, pela primeira vez, dá para acompanhar de perto a Feira de Frankfurt, principalmente com a ajuda do Francisco José Viegas no blog da revista «Ler» e dos autores do Blogtailors. Foi aliás deste último blog que tirei estas fotos das capas dos novos romances de José Saramago e José Rodrigues dos Santos, «A Viagem do Elefante» e «A Vida num Sopro». Considerando as duas imagens, parece que a mulher na estação dos comboios está a fazer um enorme esforço para conseguir ver o elefante roxo, que se afasta devagar não se sabe para onde.
.(clicar nas imagens para aumentar)
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O homem que vê albaneses um pouco por todo o lado

Ainda a propósito do jogo de quarta à noite, referência para uma asneira capaz de fazer figura ao lado dos remates daquele trambolho que actuou no centro do ataque de Portugal. Cheguei a casa com o jogo já a decorrer, depois de ouvir o hino nacional – verdadeiramente arrepiante, pela forma como foi cantado no estádio – mesmo no meio do montado, fora do carro, pois nessa altura estava a abrir o portão que impede a fuga do gado que anda aqui pelas redondezas. Devo ter perdido uns três ou quatro minutos do jogo. Mas antes da paragem que me permitiu ouvir o hino, no meio do escuro, no mesmo sítio onde um destes dias, pela manhã, ao sair para Lisboa, encontrei cinco javalis todos malucos a regressarem aos esconderijos depois de uma noitada mais prolongada, antes da paragem ouvi o que iam dizendo os comentadores. Um deles era um comentador político, Pedro Marques Lopes (na foto), que de repente decidiu meter a literatura nos palpites futebolísticos. Disse que a caminho do estúdio, por causa do jogo com a Albânia, se tinha lembrado de um romance de Mario Vargas Llosa, escrito há muitos anos, «A Tia Julia e o Escrevedor». Disse maravilhas sobre o livro, e com razão, e disse também que o queria oferecer ao Fernando Correia, que era quem conduzia a emissão. Pedro Marques Lopes tinha-se lembrado do romance porque, conforme assinalou, uma das personagens odiava albaneses. Nada mais errado. A personagem a que ele se referia, um escritor (ou «escrevedor») de radionovelas de Lima (Peru) chamado Pedro Camacho, odiava era argentinos (no fim do romance há uma surpresa em relação a esse ódio). Já numa adaptação para o cinema, num filme a anos-luz do livro, chamado «A Paixão de Júlia», a personagem (interpretada por Peter Falk, o famoso Columbo) não odeia argentinos, aí creio que já odeia albaneses (ou até talvez seja húngaros, não estou absolutamente certo, pois vi o filme há muito tempo, ainda andava na faculdade). Também mudaram o apelido da personagem, de Camacho para Carmichel, além de milhentas coisas mais.
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quinta-feira, 16 de outubro de 2008

O jogo de ontem

Custa-me dizer isto, mas parece-me que Carlos Queiroz tem sido pouco profissional.
(clicar nas imagens para aumentar)

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Um romance

Acabei mesmo a escrita do meu próximo romance, de que tenho vindo a colocar aqui alguns excertos. Esta tarde, faltava um quarto para as quatro. Não tenho colocado nada no blog, mas não teve a ver com isso. O problema é a PT, que desde terça-feira passada não arranja as linhas telefónicas, por onde também passa a ligação à Internet (ainda por cima numa casa onde não chega a rede de telemóvel). De qualquer forma, estas chatices podem ter ajudado a acabar mesmo o romance. Ainda não tinha posto aqui o título; chama-se «Uma Noite com o Fogo» (imagem do cenário aqui).
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sexta-feira, 10 de outubro de 2008

As iniciais de alguns escritores

Depois do Prémio Nobel da Literatura em 2001, V. S. Naipul continuou V. S. Naipul, provavelmente pela odisseia que seria dizer Vidiadhar Surajprasad. Este ano, o novo premiado teve mais sorte e de J. M. G. Le Clézio passou de um dia para o outro a Jean-Marie Gustave Le Clézio. Não imagino o que daqui a uns anos poderia acontecer a Gonçalo M. Tavares, que ouvi uma vez confessar numa entrevista a Carlos Vaz Marques, meio atrapalhado, que o M. era de Manuel.
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quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Uma pergunta

Por onde andam aqueles que defendiam a privatização da Caixa Geral de Depósitos?
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segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Carta a Ana Sara

Excerto da crónica publicada ontem no «Diário de Notícias» por Alberto Gonçalves, intitulada «Ex.ma Sra. Ana Sara Brito,»:
Soube, através dos jornais, que V. Exa. é desde 2007 a responsável pelo pelouro da Habitação na Câmara Municipal de Lisboa. Também soube, através deste mesmo jornal, que a autarquia a que V. Exa. pertence tem por hábito arranjar casa, decente e a preços muito módicos, a conhecidos que assim o pretendam. Parece que se os conhecidos forem políticos, artistas ou jornalistas mais fácil se torna o processo.
V. Exa. estará ao corrente da situação, já que, à semelhança de centenas ou de milhares, beneficiou de domicílio nas condições referidas durante duas décadas, do qual só abdicou no ano transacto porque, devido à «ética» (cito), não queria ser «senhoria de si própria». Tratou-se apenas, portanto, de uma espécie de conflito ontológico e não da constatação de uma ilegalidade. Segundo insiste V. Exa., com o apoio de outros ilustres lisboetas, não há ilegalidade nenhuma em auferir de uma reforma de 3.350 euros e pagar uma renda de 146 pelo T1 na rua do Salitre que o falecido eng. Abecassis entendeu dispensar-lhe.
Legal ou não, há quem ache isto uma vergonha e um insulto aos contribuintes. Eu acho uma bênção. V. Exa. justifica a requisição inicial do T1 com «motivos pessoais». Por acaso, são motivos pessoalíssimos que me levam a precisar de uma casinha do género na capital, a que às vezes desço em trabalho ou lazer. A diária de um hotel decente anda pelo custo do mês inteiro em residência patrocinada pela CML, e ainda que não me queixe do salário, percebe-se que os rendimentos não são para aqui chamados.
Donde venho por este meio pedir a V. Exa., que em boa hora recusou demitir-se, a cedência de um apartamento em local que me alivie a bolsa e a vida. O da rua do Salitre, agora vago, serve perfeitamente. E o problema da utilização ocasional da casa não se põe: V. Exa. saberá do director municipal que não utiliza de todo a que a autarquia lhe ofereceu, mantendo-a de reserva para, volto a citar, quando se divorciar.
Credenciais? É verdade que não sou político e as aguarelas que arrisquei na juventude não me atribuem o estatuto de artista. Mas julgo que as crónicas regulares na imprensa me concedem um estatuto próximo do de jornalista, critério que facilitará a decisão. Além disso, confesso tratar por tu o chefe de gabinete de S. Exa., o sr. presidente da Câmara, visto que somos conterrâneos e temos amigos comuns.
E juro: se daqui a vinte ou quarenta anos um milagre me eleger para o cargo que V. Exa. hoje tão competentemente ocupa, prometo que renunciarei sem queixumes à regalia. Senhorio de mim próprio, nunca. Por causa da ética ou lá o que é.
Aguardo resposta.
Atenciosamente, A.G.
Crónica completa aqui.
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Frases com títulos

Uma iniciativa do blog «Bibliotecário de Babel», de José Mário Silva, em que participei.
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O que vou escrevendo

Um pouco do que vou escrevendo…
(...) E fez um movimento com a enxada, cavou a terra e atirou contra elas, uma vez, e depois mais outra, e ainda mais outra. Por momentos fiquei com a ideia de que estavam a ceder, mas logo a seguir elas ganharam força, como se alguém, de longe, protegido, num gabinete luxuoso, tipo ministério, as controlasse remotamente, e assim se divertisse. (...)
(imagem do cenário aqui)
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domingo, 5 de outubro de 2008

O Paulo Bento de Lisboa

Péssimo, não sei quantas vezes péssimo, o jogo do Sporting esta noite com o Porto – Sporting 1 (João Moutinho), Porto 2. Se calhar esta época isto não vai correr nada bem. Começam a confirmar-se alguns receios. E confirma-se completamente o perigo de ter Rui Patrício na baliza (o segundo golo do Porto, de Bruno Alves, vai ficar certamente como um dos frangos deste campeonato), assim como se confirma completamente o facto de Paulo Bento, o Paulo Bento de Lisboa, ser realmente um treinador pouco inteligente, como tenho vindo aqui a referir (por exemplo, nas entrevistas rápidas falou a seguir ao guarda-redes do Porto, o injustiçado Nuno, e deu bem para ver a diferença de discursos).
Uma explicação… Escrevi «Paulo Bento de Lisboa» por causa de uma crónica do Luís Graça na revista «Os Meus Livros», sobre Oscar Wilde, em que ele faz notar que já na segunda metade do século XIX o irlandês usava o cabelo à Paulo Bento; o Luís até se admira como é que Oscar Wilde não é referido aqui.
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Um «indivíduo excepcional»

Foi ontem à noite. Mário Crespo, num daqueles programas da CNN que passam na SIC, dizia que o sistema norte-americano para a eleição do presidente, com todo o percurso que é feito durante as primárias de cada partido (dois!), faz com que à disputa final cheguem apenas aquilo que denominava como «indivíduos excepcionais». O programa era sobre Obama e MacCain, em relação aos quais Mário Crespo me pareceu absolutamente deslumbrado. Dois «indivíduos excepcionais»… Não digo que não. Mas não posso deixar de lembrar-me do «indivíduo excepcional» ali da foto, que chegou onde chegou através do mesmo sistema de eleição.
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sábado, 4 de outubro de 2008

Uma novidade

Provavelmente isto não é uma notícia para o meio editorial cá da terra, mas finalmente o meu próximo romance está quase terminado; ando agora nas últimas revisões. Preparo-me para outros projectos e sobretudo para um que me diz muito, a edição dos textos que uma pessoa tão misteriosa quanto especial deixou comigo, em 1992: os textos do pequeno caderno de Diana Törving, que ainda hoje não sei se ficou esquecido no meu carro perto da cidade francesa de Clermont-Ferrand se foi lá deixado de propósito; quero acreditar que foi de propósito.
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Ainda sobre Dinis Machado

Ler aqui, aqui e aqui.
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O que vou escrevendo

Um pouco do que vou escrevendo…
Passou-me pela cabeça a ideia de uma corrida com as chamas, mas isso não, por mais que se apressassem pelo medronhal elas nunca poderiam acompanhar a velocidade da carrinha.
(imagem do cenário aqui)
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sexta-feira, 3 de outubro de 2008

A casa do artista

Ilustração de Pedro Vieira, tirada daqui. Ver também isto e isto.
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Dinis Machado (1930-2008)

Teria sempre de haver lugar para ele no meu último romance. Morreu hoje Dinis Machado.
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Alguma inveja

Infelizmente, não pude ver o jogo do Sporting com o Basileia – Sporting 2 (Romagnoli, Derlei), Basileia 0. Deu no entanto para perceber, pelo que vi e ouvi depois, que as coisas não estão bem e que Paulo Bento ficou com alguma inveja dos aplausos a Vukcevic. E se calhar não foi só ele…
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quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Um deus desaparecido

O José Mário Silva fala aqui do exemplar do romance «O Deus das Moscas» que a Dom Quixote lhe mandou dentro de um mosquiteiro e com algumas moscas, algo que classifica como «marketing inventivo». A mim enviaram igualmente um exemplar no saco de rede, com cinco ou seis moscas. Mas fizeram mais… Não sei com que intenções, também enviaram o próprio deus, da cor da rede, muito branco (na volta para disfarçar). Pensei que me tinha saído a sorte grande... Só que quando abri o saco o espertalhão aproveitou para fugir, e a verdade é que nunca mais o vi. Agora não sei se anda perdido aí pelo montado, se encontrou o pequeno Fernando Pessoa e estão os dois à conversa nalgum canto cá de casa ou até se já está em Lisboa, ou no Algarve, ou mesmo, quem sabe, metido nalgum avião a cruzar os céus a caminho nem imagino de que lugar.
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Um pedido (uma vez sem exemplo)

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