quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Um guru e uma jovem disfarçada de massagista

Dois excertos de uma conversa entre um guru da literatura (o comissário português ao Salon du Livre, em Paris, o gorducho Inocêncio Píndaro) e uma jovem assistente de um detective, jovem que se faz passar por massagista e professora de dança; do romance «Desaparecido no Salon du Livre», de Júlio Conrado.
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– E o senhor o que faz, se não é indiscrição?
– Guru. Sou o guru da literatura portuguesa. Um sábio.
– Oh, que giro! Nunca tinha falado com um sábio. É bom ser sábio?
– Levam-se uns tantos pontapés.
– Tenhas tu cu, não te faltarão pontapés, diz o povo, cheio de razão, como sempre.
– Cu é coisa que não me falta.
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– Quer dizer: quem quiser ser alguém, na literatura, tem de lhe ir ao beija-mão, é isso?
– Não exageremos, sou apenas um modesto sábio condutor de opinião. Não deixe passar o meu artigo de hoje no «Audiência». Toco os mais diversos problemas da sociedade de que sou guardião. Leia o «Audiência». Zurzo o presidente da Câmara de uma ponta à outra do texto. Moro nesta vila, tenho direito a zurzi-lo. É incrível o que se passa com a selva do betão. O homem anda a transformar o paraíso no inferno, mas vai pagar a factura nas próximas eleições, disso pode ele estar absolutamente seguro. Se sou eu que o digo...
– Cuidei que fosse um sábio da literatura e pronto.
– Sou um sábio de tudo e mais alguma coisa. Literatura, economia, futebol (estou a ficar especialista em prognósticos dos resultados dos jogos), política, cinema, fado, especialmente o que se canta em França. Vejo sempre o mundo em termos de estrutura. Tudo tem a ver com tudo. Nada me escapa.
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