quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Histórias para ler em vinte segundos ou um pouco mais - 5

As manobras para a guerra
Alguém que passasse distraído o mais certo seria não dar por nada. Mas eles andavam em manobras. Estava decidido que iam para a guerra e por isso andavam em manobras. «Andar» nem é o melhor verbo, talvez o melhor seja «estar»… Estavam em manobras, portanto. Dois sobreiros, ainda jovens, os dois a partilharem o mesmo arbusto, que a crise tocava múltiplas áreas da nação, até a área militar e de todos os grandes combates. Lá estavam eles, como muitos outros, bem disfarçados, cumprindo à risca o que tinha sido planeado por um general que, como diria um famoso poeta da nação, «era cinco estrelas». A táctica – ou na volta a estratégia – podia resumir-se da seguinte forma… Quando estivessem no teatro das operações («the theatre of the operations», tinha afirmado um político em conferência de imprensa, acrescentando que preferia dizer assim pois a guerra era num império de língua inglesa…), bom, quando estivessem no teatro das operações punham-se à beira da estrada onde se previa que iriam passar as colunas de camiões dos rebeldes. Punham-se dois a dois, dois sobreiros a dois sobreiros, cada dupla camuflada com um arbusto. E assim que passasse uma coluna dos rebeldes haveriam de aparecer os aviões de combate da coligação internacional, a simularem um ataque aéreo, e os rebeldes muito provavelmente abandonariam os camiões que nem uns malucos, atirando-se para o meio dos arbustos à procura de refúgio. Com sorte (sorte da nação, já se vê, e também da coligação), os rebeldes atirar-se-iam de cabeça, e o embate nos troncos dos sobreiros não haveria de ser coisa boa de aguentar. Parecia que o sucesso estava garantido, com tantos cuidados nos preparativos. E toda a gente na nação achava bem mandar os sobreiros para se juntarem à coligação internacional que ia ajudar a resolver de uma vez por todas o problema da guerra com os rebeldes naquele império de língua inglesa, apesar de ser um império longínquo. Os sobreiros andavam por isso em manobras, para se apresentarem bem preparados. Dias e dias em manobras, tudo muito a sério, inclusive com voluntários do desemprego e do rendimento de solidariedade nacional a fazerem de rebeldes e a atirarem-se de cabeça. Até ao dia em que um dos líderes da coligação internacional ficou a saber como seria composto o contingente da nação… Nem mais, disse logo que sobreiros não, ou melhor, árvores não («no trees, my friends»), nem pensar nisso, queriam era soldados e se possível cinco ou seis tanques. Começou aí a confusão, com o cancelamento do envio dos sobreiros camuflados. Um político (outro que não o do «theatre») disse que o melhor era abaterem os sobreiros e esquecerem o assunto, mas outro (um relativamente desconhecido que curiosamente pelo meio do que dizia metia umas palavras em flamengo) apareceu a dizer que isso nem pensar, que o que precisavam era de investir no treino dos sobreiros e convencer o tal líder do «no trees» da grande utilidade das árvores. E a seguir apareceram mais políticos, e nem só políticos, a defenderem uma e outra solução, e também soluções intermédias e soluções mais radicais (para um lado e para outro). Nem uma semana depois a divergência sobre o que fazer com os sobreiros tinha descambado numa guerra civil em grande parte do território da nação. Uma das primeiras consequências foi um fax da coligação internacional, que dizia para não contarem com nenhuma intervenção para ajudar a restabelecer a paz, até porque os rebeldes lá no império longínquo de língua inglesa não estavam para brincadeiras.
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