domingo, 31 de agosto de 2008

A errata de Octávio Machado (2)

Ainda a errata do livro de Octávio Machado. Depois do que coloquei aqui, mais uma correcção.
Na p. 105, onde se lê «Pinta da Costa», deve ler-se «Pinto da Costa».
Nota: curiosamente, esta correcção da errata tem um erro; na página 105 não aparece «Pinta da Costa» mas sim «Pinta Costa».
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sábado, 30 de agosto de 2008

Perfil de presidente

Coloquei no meu blog «Mundo RH» uma parte de um trabalho que fiz em tempos sobre autarquias locais. Para essa parte tive uma enorme ajuda do meu amigo Luís Bento. Um dos seus contributos foi traçar o perfil-tipo de quem ocupa as cadeiras da presidência nos municípios portugueses. Deixo a seguir as 13 ideias-chave que o Luís definiu.
1. É um(a) homem(mulher) com experiência política prévia nos respectivos partidos, com experiência de vida, capaz de galvanizar a opinião pública local através de projectos e de ideias que traduzam realizações possíveis e/ ou necessárias, com idade compreendida entre os 45 e os 55 anos. Vive maioritariamente do salário que aufere, mas detém competências e capacidades para exercer outra profissão. Gosta da evidência pública e, muitas vezes, exagera na importância que a si próprio(a) confere.
2. Não tem, normalmente, experiência de gestão – situação que prefere esconder – e revela carências no domínio do planeamento estratégico.
3. Gosta de ser pragmático(a), talvez para se defender – e tem dificuldades em perceber os mecanismos financeiros, entendendo muito melhor as regras económicas.
4. Trabalha muitas horas, rodeia-se de diversos assessores – muitas vezes sem qualquer preparação para gerirem os dossiers que lhes são confiados –, conferindo-lhes a necessária confiança política.
5. Tem dificuldades de análise de dossiers mais complexos.
6. Queixa-se da máquina administrativa, mas pouco faz para melhorá-la, pois tem medo de perder influência e controlo.
7. Procura a notoriedade externa, mas dentro da câmara tem dificuldades de diálogo com os técnicos e com os funcionários.
8. Adora conceder audiências e fazer-se esperar.
9. Está sempre à procura de conseguir licenciar grandes empreendimentos – os que trazem receitas significativas –, podendo, muitas vezes, desrespeitar o Plano Director Municipal (PDM), só para aumentar, a curto prazo, a receita do município.
10. Tem uma enorme falta de sensibilidade para as questões ligadas às novas tecnologias, com excepção dos telemóveis e dos automóveis topo de gama.
11. É um(a) excelente «vendedor(a)» do seu concelho, tudo fazendo para lhe conferir notoriedade nacional.
12. Gosta, verdadeiramente, do contacto com as populações e vive intensamente os problemas dos seus munícipes.
13. Por vezes, tem dificuldade em perceber que ainda não é primeiro(a)-ministro(a).

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sexta-feira, 29 de agosto de 2008

A errata de Octávio Machado (1)

Comprei o livro de Octávio Machado. Mal o abri deparei com uma errata bastante curiosa. Vou colocar algumas das correcções aqui no blog. A primeira é esta:
Na p. 177, onde se lê «inepto», deve ler-se «expert».
Já agora, como se trata do primeiro post da série, uma segunda correcção:
Na p. 280, onde se lê «e de Coimbra», deve ler-se «a Liga e pouco mais».
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«Pessoal», edição de Setembro

Capa da revista «Pessoal» de Setembro.
O meu editorial está disponível no blog «Mundo RH».

(clicar na imagem para aumentar)

O que vou escrevendo

Um pouco do que vou escrevendo…
E depois havia os pássaros; eles rapidamente dariam uso às cordas, nem que fosse apenas para pousarem por uns instantes, em descanso a meio dos voos, ou para pousarem demoradamente, quem sabe se para espreitarem os bicharocos no chão, ou os bordalos mais pequenos do ribeiro, ou até simplesmente para deixarem correr o tempo. Com gigantes, se houvesse por ali gigantes a viver, seria diferente…
(imagem do cenário aqui)
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quinta-feira, 28 de agosto de 2008

O comprimento do sono

Ontem à tarde, por aqui.
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Uma crónica do Luís Graça (1)

Primeira de uma série de crónicas do Luís Graça, depois da promessa feita aqui (pelo começo, deduz-se que a escreveu depois dos quarenta).
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Os melhores momentos da minha vida
Dizem que a vida começa aos quarenta.
Seja.
Assim, não há melhor altura para fazer um balanço. Ora, balanço que se preze implica a existência de um top-ten. Em qualquer coisa da vida, sem discriminações.
Comecemos pelo princípio: nasci. Não, definitivamente, este não poderá ser considerado um momento alto, já que houve uma manifesta má-vontade da minha parte em ocupar o meu lugar no mundo. Pelas oito horas e trinta minutos do Dia das Bruxas do ano de 1962, em Lisboa, em plena Avenida da República, recusei-me a nascer às boas. Foi de cesariana.
Recapitulemos: será que consegui escrever dez poemas aceitáveis ao longo destes 40 anos de vida? Acho que sim. Então, dá-me ideia de que a minha existência está justificada.
Sem mais delongas, assim de repente, utilizando um critério totalmente afectivo, ao correr da pena, passo a reproduzir o top-ten dos melhores momentos da minha vida, por ordem (quase) cronológica.
1) PATRÍCIA. Eu tinha seis anos e andava no Externato de Santa Maria Maior, na primeira classe. E apaixonei-me pela Patrícia, que era uma loirinha de franja, com rosto de anjo. O erotismo supremo, para mim, seria dar-lhe um beijinho na face. Nunca aconteceu. Fomos à nossa vida. Cerca de 20 anos mais tarde, na sala de espera do dentista, deslumbrei-me com uma loura fenomenal que aguardava a vez de ser atendida. «A menina Patrícia pode entrar.» A menina Patrícia entrou antes de mim. Perguntei à empregada, com quem tinha confiança, onde morava a menina Patrícia. E era bem perto da minha casa e do externato. Ou seja, a menina Patrícia era mesmo a Patrícia. Ela saiu da sala e eu fui chamado. Gostaria de ter podido dizer: «É só um momento, que reencontrei a primeira paixão da minha vida.» Mas não se deve fazer esperar um dentista, sob pena de o irritar. Perdi outra vez a Patrícia. Mas tenho lá fotos em casa, de uma festa de Natal.
2) O HERÓI DO 1º 16. Escola Preparatória Eugénio dos Santos. A rasar o 25 de Abril. Crosse inter-turmas dentro da escola. O professor ensinou-nos a respirar em corrida e depois o percurso foi assinalado. A rapaziada misturada por séries, com apuramento dos três primeiros para a final. Fiquei em terceiro da minha série, eu que era um simulacro de naco de gente. O professor da outra turma: «Onde é que está o herói do 1º 16?» Era eu. O ego inchou-me.
3) LICEU CAMÕES. O dia em que acabaram as aulas no Verão de 1977, no Liceu Camões. Acabei o terceiro ano do curso geral dos liceus (antigo quinto, ex-nono, sei lá como se diz hoje) e assisti à reunião de turma em que se davam as notas. A outra turma, com os nossos professores, estava com uma hora de atraso. Eu e dois colegas fomos a um café e vimos na TV o hóquei do Sporting sagrar-se campeão europeu (Ramalhete, Rendeiro, Sobrinho, Chana e Livramento) diante do Villanueva. No regresso, ocupámos os respectivos lugares na sala da nossa turma e o sol estava a bater de lado nos seios de uma menina muito bonita. Via-se tudo aos quadradinhos, por baixo da camisa de renda.
4) ADEUS, APARELHO. Em 1981, após uma dezena anos de correcção com aparelho de ortodôncia (dos dez aos dezoito), resolvi dar descanso à boca. E o Dr. Bação Leal: «Há moura na costa.» Não havia. Nem na costa nem ao largo, mas sabia bem ter outra vez uma boca ao natural.
5) ESTÁDIO UNIVERSITÁRIO. Sábado de manhã. Quase Verão de 1982. Eu e dois colegas de turma da faculdade tínhamos decidido ir jogar futebol «à pendura». Estávamos no relvado da entrada a fazer flexões como aquecimento quando chegou uma colega de outra turma, a Paula. Vinha com uma saia curta, uma T-shirt branca e o sorriso que me ficou colado ao cérebro. O sol invadiu-me o coração e acampou durante imenso tempo.
6) LOS ANGELES, 1984. Carlos Lopes na televisão a correr para a vitória na maratona e o Kiko aos saltos em minha casa: «Já está! Já ninguém o agarra!» E eu: «Ó Kiko, olha os vizinhos. Faz pouco barulho». Na rua, os primeiros carros começavam a apitar.
7) VENDA DO PINHEIRO. Um dia qualquer, em cima do Monte Atalaia, a olhar cá para baixo, ao lado do Henrique, o vento a bater-nos na cara, sozinhos, entre Deus e os homens. Não havia «Big Brother». Havia amizade e ninguém era expulso do Paraíso. Os pássaros sorriam enquanto voavam. Nos dias extraordinários, via-se o Palácio da Pena, em Sintra.
8) RIMINI. Julho de 1995. Uma rapariga estilo Martini, camisa de alças, longos cabelos louros, patins em linha, mochila, passou a sorrir mesmo à nossa frente (eu e o Carlos). Não percebemos bem se a cena era real ou saída de um filme. Dez minutos antes tínhamos estado a visitar o Arco de Augusto.
9) ILHAS CIES. Setembro de 1995. Estou sentado num rochedo, ao lado do farol mais alto dessas maravilhosas ilhas galegas. Acabei de ler um conto de Frank Ronan e uma gaivota veio dividir comigo um bocadillo de atum. O mar estava tão azul que Deus mandou parar a imagem.
10) SELECÇÃO NACIONAL. O décimo melhor momento é composto por todos aqueles que me esqueci de referir agora. São muitos e eram importantíssimos. Uma selecção nacional das pequenas alegrias: a antologia «DN-Jovem», a chegada no Manteigas/ Penhas Douradas, o ténis de mesa do Inatel, a escrita, um pôr-do-sol no Guincho...
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NOTA DO AUTOR: será que este texto faz algum sentido?
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quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Disponibilidade imediata

O poeta Ângelo Rodrigues revelou aqui que está disponível para substituir Simonetta Luz Afonso na presidência do Instituto Camões. Eu não sabia, mas a senhora deixou ou vai deixar o lugar (aliás, eu nem sabia bem se o instituto existia ou não). Ângelo Rodrigues diz que está «mesmo farto de dar aulas» e que lhe «fazia jeito este salário de presidente»; e de caminho garante que fará «muita coisa», que irá «almoçar a casa» e que não tenciona trocar «de carro».
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O Sporting em Madrid

Um grande défice de profissionalismo é o que me parece que fica bem à vista depois do jogo do Sporting em Madrid, esta noite, para um jogo particular – Real Madrid 5, Sporting 3 (Izmailov, Yannick, Miguel Veloso). Especialmente na primeira parte (5 - 1), tanto alguns reservistas como alguns titulares demonstraram falta de sentido profissional; e o mesmo se pode dizer de Paulo Bento (pela forma irresponsável como construiu a equipa, erro crasso que só corrigiu ao intervalo). Uma nota particular para o primeiro golo do Real Madrid, que abriu o descalabro; a nozada que Higuaín deu em Caneira deixa bem à vista a mediocridade do jogador-susto.
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Luís Graça

Tenho várias crónicas do Luís Graça para publicar aqui. Ou seja, modéstia à parte este blog promete.
(foto de Carlos Correia)
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Um guru e uma jovem disfarçada de massagista

Dois excertos de uma conversa entre um guru da literatura (o comissário português ao Salon du Livre, em Paris, o gorducho Inocêncio Píndaro) e uma jovem assistente de um detective, jovem que se faz passar por massagista e professora de dança; do romance «Desaparecido no Salon du Livre», de Júlio Conrado.
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– E o senhor o que faz, se não é indiscrição?
– Guru. Sou o guru da literatura portuguesa. Um sábio.
– Oh, que giro! Nunca tinha falado com um sábio. É bom ser sábio?
– Levam-se uns tantos pontapés.
– Tenhas tu cu, não te faltarão pontapés, diz o povo, cheio de razão, como sempre.
– Cu é coisa que não me falta.
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– Quer dizer: quem quiser ser alguém, na literatura, tem de lhe ir ao beija-mão, é isso?
– Não exageremos, sou apenas um modesto sábio condutor de opinião. Não deixe passar o meu artigo de hoje no «Audiência». Toco os mais diversos problemas da sociedade de que sou guardião. Leia o «Audiência». Zurzo o presidente da Câmara de uma ponta à outra do texto. Moro nesta vila, tenho direito a zurzi-lo. É incrível o que se passa com a selva do betão. O homem anda a transformar o paraíso no inferno, mas vai pagar a factura nas próximas eleições, disso pode ele estar absolutamente seguro. Se sou eu que o digo...
– Cuidei que fosse um sábio da literatura e pronto.
– Sou um sábio de tudo e mais alguma coisa. Literatura, economia, futebol (estou a ficar especialista em prognósticos dos resultados dos jogos), política, cinema, fado, especialmente o que se canta em França. Vejo sempre o mundo em termos de estrutura. Tudo tem a ver com tudo. Nada me escapa.
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A multidão

Esta tarde, por aqui. Pormenor de uma multidão de flores. Não consegui perceber em relação a que é que se manifestavam, nem se o faziam contra ou a favor.
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O modesto Javier Cercas

Enquanto esperávamos pela comida, Aguirre disse que me tinha reconhecido pela fotografia da contracapa de um dos meus livros, que lera há algum tempo. Superado o primeiro espasmo de vaidade, comentei rancorosamente:
– Ah, foste tu?
– Não percebo.
Fui obrigado a esclarecer:
– Era uma piada
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Excerto do romance «Soldados de Salamina», de Javier Cercas.
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terça-feira, 26 de agosto de 2008

A flor dos jograis irrequietos

Fotografada esta tarde, junto a uma oliveira aqui do monte, sem que os jograis dessem por nada. Se fossem mais sossegados, provavelmente teria sido impossível fazer a fotografia (na volta desapareciam em menos de nada, mal dessem pela minha presença).
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Os Dias do Blog – 4

Quarta crónica sobre blogs da série que fiz mensalmente entre finais de 2003 e meados de 2007. Esta é a crónica de Março de 2004. Início aqui.

A nossa responsabilidade social
(Março de 2004)
Dia 8 de Março, depois da polémica relacionada com a Mcdonald’s e com as crianças deficientes, o blog «Acanto» (http://acanto.weblog.com.pt/) apresenta a defesa da multinacional norte-americana. «Anda p'raí um conjunto de pessoas sedenta de que algo corra mal no Euro 2004 para bater no ceguinho... É impressionante vê-las na televisão a salivar ansiosas pela chegada de tão maravilhoso evento, que pela sua grandiosidade certamente lhes dará razão. Desta vez foi a McDonald’s que impede crianças deficientes de participar numa das suas actividades. Críticas e mais críticas da brigada dos críticos. Só que cometeram vários erros: 1. A crítica deixa de fazer sentido a partir do momento que se diz que as crianças terão ‘de passar mais de cinco horas no estádio em actividades físicas exigentes que implicam corridas, aprendizagem das coreografias, participação no ensaio, actividades lúdicas, etc. Não há nada pior do que desiludir uma criança, que chegada a hora de participação sente que não tem condições para concretizar as actividades deste dia, dia que se pretende que seja de sonho e não de desilusão!’ 2. A McDonalds é das poucas empresas em Portugal que se pode orgulhar de ter nos seus quadros pessoas com deficiência. Já agora, quantos deputados estão na Assembleia da República que possuem algum nível de deficiência? Ou nos jornais? Ou que são pivots de informação? 3. A McDonald’s é uma empresa à escala mundial. Como tal já está largamente habituada a este tipo de hipocrisias. Daí apoiar várias instituições e tendo a sua própria (Ronald McDonald). Pena que não haja mais empresas que tenham a mesma política para com os deficientes que a McDonald’s.»
Pelo que se viu durante a polémica, pouca gente estará disposta a concordar com o que aqui se escreveu (relembre-se a pressa com que Pedro Santana Lopes se distanciou da iniciativa – a que inicialmente aderiu a Câmara de Lisboa –, depois de perceber que a coisa podia chamuscá-lo, ou a recusa imediata da Câmara do Porto, inclusive associando aos propósitos da McDonald’s o adjectivo «nazista»). Já nos comentários, a coisa fica equilibrada; em três, um parece alinhar pela McDonald’s («A esquerda anti-globalização tudo faz para atingir os seus fins. Até contra-informação...»), outro é contra («Se a McDonalds fosse ‘amiga’ das crianças deficientes tinha agendado em paralelo um programa para estas crianças. Aí, sim, seria tratá-las igualmente. Não o fez, porque não quer saber delas para nada.»), e outro vai por uma terceira via, descomprometida, com os deputados ao barulho («Já agora, quantos deputados estão na Assembleia da República que possuem algum nível de deficiência? Esses números devem sempre ficar em segredo…»).
Outro blog, o «Santa Ignorância» (
http://santaignorancia.blogspot.com)/, aborda o assunto na mesma perspectiva do anterior. Carla Soares escreve o seguinte: «Gostaria de saber o que acontecia se a McDonald's levasse as crianças deficientes às actividades do Euro 2004 em questão. Imagino que logo a acusariam de falta de senso, de irresponsabilidade em reconhecer as diferenças que as crianças menos capazes possuem que as impedem de participar de modo adequado nas actividades lúdico-desportivas. Qual é o medo de dar o nome à realidade e encará-la como ela é? Não me pareceu que neste caso se descriminasse as crianças pela deficiência, antes se procura dar as melhores condições aos participantes. Uma criança com dificuldades físicas e/ ou mentais teria dificuldades em participar, muito provavelmente ser-lhe-ia prejudicial, e traria problemas ao natural desenrolar do programa. A integração e aceitação das pessoas deficientes também passa por aceitar as suas limitações, e não querer que façam e participem em tudo o que uma pessoa saudável faz e participa. É aceitá-las como pessoas, não como coitadinhos.»
Casos como este, ou outros de outro âmbito, relacionados com empresas e demais tipos de organizações (por exemplo, o recente escândalo da Parmalat), colocam na ordem do dia uma questão que por vezes é esquecida em Portugal: a responsabilidade social das organizações (RSO). Interessantes contributos sobre o tema podem ser encontrados um pouco por todo o mundo da web, fazendo uma busca dessa expressão (ou da equivalente inglesa, Corporate Social Responsability – CSI). Veja-se, por exemplo, o que se diz no blog «Responsabilidade Social» (
http://rso.blogs.sapo.pt/) a certa altura: «É um conceito segundo o qual empresas e instituições decidem, numa base voluntária, contribuir para uma sociedade mais justa e um ambiente mais limpo, ou seja, a integração voluntária de preocupações sociais e ambientais por parte das organizações, nas suas operações correntes e na sua interacção com todas as partes interessadas (accionistas, colaboradores, fornecedores, parceiros sociais, parceiros locais, administração pública e autoridades, subcontratados, filiais, etc).» O autor do blog, Luís Bento, o único português membro do Grupo de Paris em Responsabilidade Social, pergunta mesmo: «Porque será que não se abordam em Portugal, de forma integrada, estas dimensões [Ética, Responsabilidade Social e Desenvolvimento Sustentado]? Será que a Carta de Lisboa é mais conhecida internacionalmente do que em Portugal, onde foi aprovada e adoptada?» Sobre a Carta de Lisboa, um excerto de um texto do blog… «Em 1993, assolada por uma taxa de desemprego sem precedentes, a Europa, através do Conselho Europeu, adoptou o Livro Branco sobre a Competitividade e o Emprego, que constituiu um ponto de partida extremamente importante para a evolução da política estrutural da União Europeia a longo prazo, culminada com a adopção, em 2000, da chamada Carta de Lisboa e, em 2001, do Livro Verde para Promover um Quadro Europeu para a Responsabilidade Social das Empresas.»

Blogs consultados
http://acanto.weblog.com.pt/, com textos assinados por «cparis»;
http://santaignorancia.blogspot.com/, mantido por Adeodato Pinto, Bruno Costa, Carla Soares, Nelson Antunes e Sérgio Alves;
http://rso.blogs.sapo.pt/, mantido por Luís Bento.
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segunda-feira, 25 de agosto de 2008

O que vou escrevendo

Um pouco do que vou escrevendo…
Aparecia-me a vida toda misturada, como um livro de histórias que alguém tivesse feito em bocadinhos e mexido muito bem dentro de um alguidar, quem sabe com a ajuda de uma colher de pau.
(imagem do cenário aqui)
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domingo, 24 de agosto de 2008

A estreia

O jogo de estreia do Sporting no campeonato, ontem à noite – Sporting 3 (Tonel, Izmailov, Yannick), Trofense 1 – foi bastante esquisito. Primeiro a equipa a entrar muito bem, enquanto o Trofense se mostrava completamente inofensivo; se as coisas tivessem continuado assim até ao final, talvez o resultado chegasse a uns cinco ou seis a zero. Depois, perto do sessenta minutos, uma decisão do árbitro que mudou tudo, com o Trofense a marcar um golo de penalty e a ameaçar que podia reentrar no jogo (ou entrar pela primeira vez, pois a verdade é que de início não foi bem entrar, foi mais andar pelo relvado). Do penalty inventado pelo árbitro (ou pelo auxiliar; a asneira, ou esperteza, é a mesma), pouco a dizer, porque o lance nem foi polémico. Viu-se claramente que a falta do desastrado Polga foi bem fora da área, mas o Sporting já teve, e até naquele estádio, muitas outras asneiras do género para agora estar habituado (para dar dois exemplo, um contra e um a favor, basta lembrar o célebre golo com a mão do Paços de Ferreira e um golo que não foi considerado, do União de Leiria, com o agora felizmente já esquecido Ricardo a defender a bola um metro dentro da baliza). Foi o penalty que parou o ascendente do Sporting sobre o Trofense, o penalty e a expulsão (merecida) de Polga, que realmente quando quer é mesmo um desastre dentro do campo. O único jogador sem grande jeito para o futebol que entrou ontem na equipa inicial, em vez de correr mais lembrou-se de tentar fazer um corte à maluca quando um adversário ia isolado, e assim arranjou a expulsão (que o árbitro complementou com o penalty). Tivemos de apanhar novamente com o despropositado Caneira em campo, e com o castigo de Polga a presença do auto-intitulado grande líder no próximo jogo, em Braga, é garantida, o que não pode deixar de ser preocupante (se a Polga falta jeito com a bola, a Caneira falta tudo, jeito com a bola, aplicação, capacidade de luta e mais uma série de características que poderiam justificar a sua inclusão no plantel do Sporting).
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Finalmente

Acabou hoje, finalmente, a edição dos jogos olímpicos da vergonha. A palavra «vergonha» não tem nada a ver com a participação portuguesa, independentemente de ter sido melhor ou pior; a vergonha é o facto de se ter atribuído a organização de uma competição tão significativa a um país onde parece perpetuar-se no poder uma ditadura sinistra que não tem nenhum respeito nem pela dignidade humana, nem pela própria vida (e que até para os jogos arranjou atletas-escravos). Depois do que assinalei aqui, obviamente que não escrevi nenhum post sobre o decorrer destes jogos.
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sábado, 23 de agosto de 2008

Nesta altura do ano

Nuvens do princípio da noite. Ontem, por cima aqui de casa. Não sei o que queimavam no céu a umas horas daquelas, e nesta altura do ano.
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O que pr’aqui vai…

Pr’aqui, quer dizer, aqui.
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sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Dois textos do Luís (2)

Segundo de dois textos do meu amigo Luís Bento (o primeiro está aqui).

É muito complicado
O meu amigo Hakan Hakansson – cujo nome quer dizer, tão-somente, Hakan filho de Hakan – vive em Estocolmo e é de nacionalidade sueca. Conheci-o na Suécia, em 1989, durante um trabalho que aí tive oportunidade de efectuar. Passados uns meses, o Hakan deslocou-se a Lisboa e por cá ficou, também em trabalho, durante cerca de quinze dias. Como já havíamos estabelecido laços de empatia, perguntei-lhe um dia, ao jantar, o que pensava dos portugueses. Após uns breves momentos, disse-me, com um ar convicto: «Luís, you are a problem oriented mind!» (Luís, vocês têm uma cabeça orientada por problemas!) Achei interessantíssima esta definição, que me fez rir à gargalhada.
Desde há uns anos, instalou-se na sociedade portuguesa um verdadeiro culto da dificuldade e do problema. Fazemos esse culto através de expressões que se tornaram correntes, «É muito complicado», «Não sei, é complicado», «Isto é mesmo muito complicado». Quando alguém aparece com uma proposta qualquer e a apresenta, a primeira reacção, regra geral, é de adesão: «A ideia é porreira»; mas, de repente, e em jeito de oposto destrutivo, logo aparece alguém a dizer: «É pá, a ideia é porreira, mas já viste os problemas que vais ter, os obstáculos que vais enfrentar? É que isto é muito complicado!» Pode dizer-se, um pouco como defendeu o meu amigo Hakan, que a grande máxima portuguesa se pode traduzir na seguinte ideia-chave: «Se as coisas podem ser complicadas, por que razão hão-de ser simples?»
O complicador é a principal ferramenta de trabalho dos portugueses. Talvez se devesse criar o Instituto Nacional para o Desenvolvimento do Complicador (INDC), directamente dependente da Presidência do Conselho de Ministros – talvez mesmo um novo ministério descentralizado – devido à importância estratégica da sua acção na melhoria da capacidade de realização dos portugueses. Competiria ao INDC, nomeadamente, promover campanhas de crítica às obras feitas, não deixando que a satisfação se instalasse na população portuguesa. Devia o INDC, também, tomar as medidas necessárias para impedir a capacidade de realização e de empreendimento, como forma de travar os ímpetos excessivos de desenvolvimento. Teria ainda, como tarefa prioritária, de criar núcleos regionais de complicação (NRC), para evitar a proliferação da descentralização e da celeridade na resolução dos problemas, visto que a celeridade excessiva – que actualmente se verifica e graves problemas tem criado – é inimiga do progresso.
A divisa do INDC deveria ser «Não faça nem deixe fazer, complique!», devendo ser publicadas brochuras temáticas com título a começar por «Como complicar a/ o ...» Haveria concerteza temas interessantes, dos quais destaco alguns que por certo ocupariam os órgãos de comunicação social: «Como complicar a acção governativa?», «Como complicar o funcionamento dos hospitais?», «Como complicar a realização de obras públicas?», «Como complicar a vida dos automobilistas?», «Como complicar a vida dos estudantes?», «Como complicar o funcionamento da Assembleia da República?» (este seria um best-seller) ou «Como complicar o funcionamento dos tribunais?» Estas brochuras poderiam ser distribuídas pela população, via CTT, em Correio Azul, o tal que anda mais lento do que o correio normal e que, portanto, é um ícone do complicador. Além disso, nesta época do ano o INDC poderia realizar, sobretudo no Algarve, uma campanha de promoção do complicador, visto que, estando em férias, as pessoas terão mais tempo para reflectir sobre as inesperadas mudanças que o complicador trará para as suas vidas.
Por uma questão de rigor, importa não confundir complicador com computador, embora, por vezes, o computador possa ser um eficaz meio de complicação, bastando para tal usar o «Windows 95», da Microsoft. O complicador não se pode confundir com um computador devido, fundamentalmente, a um conjunto de características que são muito diferenciadas. Assim, enquanto o computador é rápido, o complicador é lento; o computador tem um monitor que permite visionar as imagens do trabalho que vai fazendo, enquanto o complicador actua subterraneamente, não se vendo nada; o computador utiliza a corrente eléctrica para funcionar, enquanto o complicador anda a passo de caracol. Como se vê, não há confusão possível.
Seria aconselhável que todos aqueles que querem promover o desenvolvimento do país deixassem de lado a informatização e incluíssem nos seus orçamentos uma verba para financiar a complicadorização dos respectivos serviços, e das respectivas instituições, visto que informatizar «é muito complicado».
Ocorre-me mesmo propor que o INDC criasse o «Prémio Nacional de Complicação», destinado a premiar todos aqueles – pessoas e instituições – que fazem do complicador a sua razão de ser. Tenho receio, todavia, que mesmo toda a produção das fábricas de cerâmica das Caldas da Rainha não fosse suficiente para atribuir a todos os candidatos a estatueta de barro – um complicador, a fazer um manguito.
Será que estamos condenados a orientar a vida por problemas e por complicações, em vez de a iluminarmos com objectivos claros e determinados? Vamos pensar nisso...
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Os Dias do Blog – 3

Terceira crónica sobre blogs da série que fiz mensalmente entre finais de 2003 e meados de 2007. Esta é a crónica de Fevereiro de 2004. Início aqui.

Os livros, «coisa pública»
(Fevereiro de 2004)
À volta dos livros, ou em volta, como também há quem apregoe. Retalhos do mundo dos blogs sobre a literatura de cá, e não só. Para começar, Pedro Mexia, no «Dicionário do Diabo», ainda em 2003, precisamente no último dia do ano. «O melhor livro português que li este ano foi ‘Fantasia para Dois Coronéis e Uma Piscina’ (Caminho), de Mário de Carvalho, por razões que explicarei esta semana noutro lado [e explicou, até em mais do que uma ocasião]. Sugiro também Manuel António Pina, ‘Os Livros’ (Assírio e Alvim), que finalmente começa a ser reconhecido por cada vez mais gente como um dos nossos grandes poetas, conversado e pensativo, irónico e quase terrível. E, nas traduções de autores vivos, sem dúvida a versão portuguesa de ‘Like Life’, da fantástica Lorrie Moore, publicado entre nós pela Relógio d’Água. Há uma tradição do conto na América que explica aconteceram autores assim, de um realismo desencantado e acerado, tão bom como em Carver ou Richard Ford. Finalmente, no ensaio, ‘Impasses’, de Fernando Gil e Paulo Tunhas, porque é bom tomar contacto com opiniões diferentes nos temas de consenso forçado.»
Também a 31 de Dezembro, Francisco José Viegas começava no seu «Aviz» uma escolha de doze títulos (que acabaria em menos de nada, logo a 1 de Janeiro). A abrir, um aviso… «Livros do Ano. Durante os próximos dias, aparecerão pequenos textos com este título. O resto não me apetece comemorar. Nem os blogs. Os livros, muitas vezes, são a única coisa ‘pública’ que fica (o resto, ou é uma grande alegria no coração, que não se pode partilhar em balanço nenhum, ou não merece ser distinguido). Por mim, para já, escolherei os livros.» Boa escolha. Os livros, então (com excertos dos comentários). «Mário de Carvalho, ‘Fantasia para Dois Coronéis e Uma Piscina’ (Caminho). O ano estava a terminar sem um livro que se risse muito de nós próprios. Mário de Carvalho escolheu a ironia, o riso, a gargalhada, a comédia. E fez bem, fez-nos bem./ Richard Zimler, ‘Meia-Noite ou o Princípio do Mundo’ (Gótica). Dois tipos de extermínio: o dos negros e o dos judeus, num romance escrito à maneira clássica./ Daniel Faria, ‘Poesia’ (Quasi). Lê-lo [Daniel Faria] é rir do ‘sistema literário’ que não vê dois palmos à frente das suas prateleiras e cumplicidades./ Harold Bloom, ‘Génio’ (Objetiva, Brasil). O que me intriga é saber que Bloom assusta tanta gente, sobretudo ignorantes e modernos./ Antonio Muñoz Molina, ‘Sefarad’ (Editorial Notícias). A editora portuguesa alterou o subtítulo (‘Entre o Nazismo e o Comunismo, Um Romance sobre o Exílio.’) para o amenizar na capa (‘Entre o Nazismo e o Estalinismo’), num exercício de marketing político para salvar o mercado ideológico./ José Bento, ‘Alguns Motetos’ (Assírio & Alvim). José Tolentino Mendonça diz que a poesia de José Bento segue uma ‘condição quase clandestina’./ Patrícia Melo, ‘Valsa Negra’ (Companhia das Letras, Brasil). Não se sabe como se sai vivo da sua leitura./ Manuel António Pina, ‘Os Papéis de K.’ (Assírio & Alvim). Devolve, em prosa, algum desse ‘mistério’ que tem vivido nos versos de Manuel António Pina./ Maria Filomena Molder, ‘A Imperfeição da Filosofia’ (Relógio d'Água). Para quem passa pela blogosfera e se irrita com a leviandade com que são apresentados tantos juízos definitivos./ Manuel António Pina, ‘Os Livros’ (Assírio & Alvim). Um livro sereníssimo, vindo do fundo das bibliotecas, pausado como os grandes capítulos das vidas todas./ Fernando Gil, Paulo Tunhas (& Danièle Cohn), ‘Impasses’ (Europa-América). Um livro contra a má-fé, que é cada vez mais um instrumento acessível e popular./ Vasco Graça Moura/ Petrarca, ‘Rimas’ (Bertrand). Durante muito tempo teremos de agradecer a VGM o seu trabalho como tradutor.»
Em relação a esta última escolha, pergunta-se em «O Blog do Alex»... «Afinal de contas, quem escreveu as Rimas?». Isto a 15 de Janeiro. A 17, resposta no «Aviz». «O 'Blog do Alex' acha que as ‘“Rimas’, de Petrarca, são só de Petrarca e não de Petrarca e de Vasco Graça Moura, conforme aparece na capa do livro, e assim mencionado na pequena selecção de ‘livros do ano’ do ‘Avis’. A questão da tradução & autoria fica para depois, mas o Alex deixou passar o pior, já agora: o livro aparece na categoria ‘ficção’, por puro engano.»
Mais livros… Uma sugestão de José Mário Silva no «Blog de Esquerda», em pleno dia 25 de Dezembro. «Ofereçam às pessoas de que mais gostam (pais, irmãos, namoradas, amigos) o melhor livro de Literatura – com L maiúsculo – publicado este ano em Portugal: ‘A Planície em Chamas’, genial conjunto de dezassete contos do escritor mexicano Juan Rulfo (o autor dessa outra obra-prima que é ‘Pedro Páramo’), traduzido por Ana Santos e editado pela Cavalo de Ferro.» E, já agora, para (des)compor as coisas, o «Bloguítica», a 14 de Janeiro… «Pedro Santana Lopes presidiu ontem ao lançamento, no Grémio Literário, do seu livro ‘Causas de Cultura’. O presidente da Câmara Municipal de Lisboa garantiu que o lançamento desta obra, nesta altura, era apenas ‘um exercício de memórias’, rejeitando que este seria o pontapé de saída para a sua candidatura às presidenciais de 2006. O Bloguítica está em condições de confirmar a veracidade desta tese. Segundo as fontes consultadas, o pontapé de saída para a sua candidatura às presidenciais de 2006 ocorrerá com o lançamento do livro ‘Causas de Futebol’, ou posteriormente, com o lançamento de um outro livro intitulado, muito simplesmente, ‘Kausas’. O número de admiradoras de Pedro Santana Lopes presentes à porta do Grémio Literário rondava os seis a oito milhares, razão pela qual o stock do livro esgotou e está já agendada uma segunda edição.»
Para acabar, devo referir que o professor Marcelo Rebelo de Sousa, não num blog mas na revista «Os Meus Livros», dedicou um bocadinho da sua coluna a um romance que publiquei em 2003. Título, autor e editora, com duas vírgulas pelo meio. Enfim, só elogios.

Blogs consultados
http://dicionariodiabo.blogspot.com/, mantido por Pedro Mexia;
http://aviz.blogspot.com/, mantido por Francisco José Viegas;
http://oblogdoalex.blogspot.com/, com textos assinados por Alex.
http://www.blogdeesquerda/, mantido por José Mário Silva e Manuel Deniz Silva;
http://dicionariodiabo.blogspot.com/, mantido por Paulo Gorjão.
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O que vou escrevendo

Um pouco do que vou escrevendo…
Se o clarão não fosse avermelhado, se fosse mais de tons amarelos, eu poderia muito bem pensar que do outro lado dos montes toda a terra até ao mar era ocupada por uma cidade, enorme, uma metrópole gigantesca, um mundo feito de luz.
(imagem do cenário aqui)
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quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Um bocadinho de um arco-íris

Um bocadinho de um arco-íris, em Agosto. Foi hoje, ao fim da tarde, por aqui.
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A decência

Gostei de ver ontem à noite a estreia da selecção nacional de Carlos Queiroz. Além do resultado, que até nem interessava por aí além, acho que as indicações foram boas, ou melhor, têm sido boas, sobretudo a postura mostrada pelo seleccionador, no que diz, no que faz, na forma como tenta encontrar soluções para os problemas. Comparando com os vergonhosos exemplos de Scolari nos últimos meses à frente da selecção, «decência» parece-me ser indiscutivelmente a palavra que pode definir este novo tempo.
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Histórias para ler em vinte segundos ou um pouco mais - 5

As manobras para a guerra
Alguém que passasse distraído o mais certo seria não dar por nada. Mas eles andavam em manobras. Estava decidido que iam para a guerra e por isso andavam em manobras. «Andar» nem é o melhor verbo, talvez o melhor seja «estar»… Estavam em manobras, portanto. Dois sobreiros, ainda jovens, os dois a partilharem o mesmo arbusto, que a crise tocava múltiplas áreas da nação, até a área militar e de todos os grandes combates. Lá estavam eles, como muitos outros, bem disfarçados, cumprindo à risca o que tinha sido planeado por um general que, como diria um famoso poeta da nação, «era cinco estrelas». A táctica – ou na volta a estratégia – podia resumir-se da seguinte forma… Quando estivessem no teatro das operações («the theatre of the operations», tinha afirmado um político em conferência de imprensa, acrescentando que preferia dizer assim pois a guerra era num império de língua inglesa…), bom, quando estivessem no teatro das operações punham-se à beira da estrada onde se previa que iriam passar as colunas de camiões dos rebeldes. Punham-se dois a dois, dois sobreiros a dois sobreiros, cada dupla camuflada com um arbusto. E assim que passasse uma coluna dos rebeldes haveriam de aparecer os aviões de combate da coligação internacional, a simularem um ataque aéreo, e os rebeldes muito provavelmente abandonariam os camiões que nem uns malucos, atirando-se para o meio dos arbustos à procura de refúgio. Com sorte (sorte da nação, já se vê, e também da coligação), os rebeldes atirar-se-iam de cabeça, e o embate nos troncos dos sobreiros não haveria de ser coisa boa de aguentar. Parecia que o sucesso estava garantido, com tantos cuidados nos preparativos. E toda a gente na nação achava bem mandar os sobreiros para se juntarem à coligação internacional que ia ajudar a resolver de uma vez por todas o problema da guerra com os rebeldes naquele império de língua inglesa, apesar de ser um império longínquo. Os sobreiros andavam por isso em manobras, para se apresentarem bem preparados. Dias e dias em manobras, tudo muito a sério, inclusive com voluntários do desemprego e do rendimento de solidariedade nacional a fazerem de rebeldes e a atirarem-se de cabeça. Até ao dia em que um dos líderes da coligação internacional ficou a saber como seria composto o contingente da nação… Nem mais, disse logo que sobreiros não, ou melhor, árvores não («no trees, my friends»), nem pensar nisso, queriam era soldados e se possível cinco ou seis tanques. Começou aí a confusão, com o cancelamento do envio dos sobreiros camuflados. Um político (outro que não o do «theatre») disse que o melhor era abaterem os sobreiros e esquecerem o assunto, mas outro (um relativamente desconhecido que curiosamente pelo meio do que dizia metia umas palavras em flamengo) apareceu a dizer que isso nem pensar, que o que precisavam era de investir no treino dos sobreiros e convencer o tal líder do «no trees» da grande utilidade das árvores. E a seguir apareceram mais políticos, e nem só políticos, a defenderem uma e outra solução, e também soluções intermédias e soluções mais radicais (para um lado e para outro). Nem uma semana depois a divergência sobre o que fazer com os sobreiros tinha descambado numa guerra civil em grande parte do território da nação. Uma das primeiras consequências foi um fax da coligação internacional, que dizia para não contarem com nenhuma intervenção para ajudar a restabelecer a paz, até porque os rebeldes lá no império longínquo de língua inglesa não estavam para brincadeiras.
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Tem piada

Tem piada o comentário de Ângelo Rodrigues a este post.
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quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Debaixo do barco

Esta foto tem uns dois anos e pouco. Já nem me lembrava dela. Na altura, um bocadinho antes de eu tirar a máquina da mochila, saiu de debaixo do barco um senhor de fato branco pareceu-me que de linho, botas pretas e uma gravata do Benfica. Corria que nem um desalmado. Em menos de nada desapareceu para lá das dunas. No meu lugar um investigador talvez tivesse ido espreitar debaixo do barco, mas eu não fui.
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Margarida na prateleira

A «famosa» entrevista de Carlos Vaz Marques a Margarida Rebelo Pinto, publicada na revista «Ler» de Julho, está agora disponível aqui.
(...)
Se há um autor que tem parágrafos…
Então, diga-me, qual é o autor que não se repete?
Não se trata de uma repetição de ideias. É a repetição de um parágrafo integral, copy/paste, de um livro para outro.
Nunca fiz copy/paste. Oh, Carlos. A entrevista acabou, desculpe…
[Margarida Rebelo Pinto lança a mão ao gravador, desligando-o. Ligo-o, de novo, imediatamente.]
Qual é o problema das pessoas se repetirem nos seus livros? Se todos se repetem porque é que só dizem que sou eu que me repito? Porque é que está a insistir tanto nessa tecla? Já lhe disse: quais são os escritores que não se repetem? Olhe o Murakami, em que os livros são todos tão parecidos. Aí está um grande exemplo.
Não estávamos a falar de uma repetição de ideias. Mas, pronto, vamos passar ao assunto seguinte. Qual foi a crítica mais justa que sente que já lhe fizeram?
Já não há entrevista. Diga ao Francisco [José Viegas, director da LER] que eu dispenso a entrevista. Não estou com onda para fazer uma entrevista assim. Desculpe lá.
As entrevistas são feitas de perguntas e de respostas.
Você ainda não me fez uma única… Fez-me uma pergunta sobre o meu novo livro.
Esta é uma entrevista de carácter geral, sobre o seu percurso. Aliás, foi avisada disso.
Eu acho que você está a conduzir isto muito mal.
Isso cabe aos leitores determinar.
[Longa pausa.]
Pronto, então vamos continuar a entrevista. Faça-me lá a pergunta.
(...)
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O que vou escrevendo

Um pouco do que vou escrevendo…
As chamas a perseguirem-no pela encosta acima, foi o que pensei. As chamas, afinal, com interesse em perseguirem pessoas. E eu uma pessoa…
(imagem do cenário aqui)
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terça-feira, 19 de agosto de 2008

O início da viagem

O início de «A Viagem do Elefante», o novo romance de José Saramago (tirado daqui).
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Não há vento, porém a névoa parece mover-se em lentos turbilhões como se o próprio bóreas, em pessoa, a estivesse soprando desde o mais recôndito norte e dos gelos eternos. O que não está bem, confessemo-lo, é que, em situação tão delicada como esta, alguém se tenha posto aqui a puxar o lustro à prosa para sacar alguns reflexos poéticos sem pinta de originalidade. A esta hora os companheiros da caravana já deram com certeza pela falta do ausente, dois deles declararam-se voluntários para voltar atrás e salvar o desditoso náufrago, e isso seria muito de agradecer se não fosse a fama de poltrão que o iria acompanhar para o resto da vida, Imaginem, diria a voz pública, o tipo ali sentado, à espera de que aparecesse alguém a salvá-lo, há gente que não tem vergonha nenhuma. É verdade que tinha estado sentado, mas agora já se levantou e deu corajosamente o primeiro passo, a perna direita adiante, para esconjurar os malefícios do destino e dos seus poderosos aliados, a sorte e o acaso, a perna esquerda de repente duvidosa, e o caso não era para menos, pois o chão deixara de poder ver-se, como se uma nova maré de nevoeiro tivesse começado a subir. Ao terceiro passo já não consegue nem sequer ver as suas próprias mãos estendidas à frente, como para proteger o nariz do choque contra uma porta inesperada. Foi então que uma outra ideia se lhe apresentou, a de que o caminho fizesse curvas para um lado ou para o outro, e que o rumo que tomara, uma linha que não queria apenas ser recta, uma linha que queria também manter-se constante nessa direcção, acabasse por conduzi-lo a páramos onde a perdição do seu ser, tanto da alma como do corpo, estaria assegurada, neste último caso com consequências imediatas. E tudo isto, ó sorte mofina, sem um cão para lhe enxugar as lágrimas quando o grande momento chegasse. Ainda pensou em voltar para trás, pedir abrigo na aldeia até que o banco de nevoeiro se desfizesse por si mesmo, mas, perdido o sentido de orientação, confundidos os pontos cardeais como se estivesse num qualquer espaço exterior de que nada soubesse, não achou melhor resposta que sentar-se outra vez no chão e esperar que o destino, a casualidade, a sorte, qualquer deles ou todos juntos, trouxessem os abnegados voluntários ao minúsculo palmo de terra em que se encontrava, como uma ilha no mar oceano, sem comunicações. Com mais propriedade, uma agulha em palheiro. Ao cabo de três minutos, dormia. Estranho animal é este bicho homem, tão capaz de tremendas insónias por causa de uma insignificância como de dormir à perna solta na véspera da batalha. Assim sucedeu. Ferrou no sono, e é de crer que ainda hoje estaria a dormir se salomão não tivesse soltado, de repente, em qualquer parte do nevoeiro, um barrito atroador cujos ecos deveriam ter chegado às distantes margens do ganges. Aturdido pelo brusco despertar, não conseguiu discernir em que direcção poderia estar o emissor sonoro que decidira salvá-lo de um enregelamento fatal, ou pior ainda, de ser devorado pelos lobos, porque isto é terra de lobos, e um homem sozinho e desarmado não tem salvação ante uma alcateia ou um simples exemplar da espécie. A segunda chamada de salomão foi mais potente ainda que a primeira, começou por uma espécie de gorgolejo surdo nos abismos da garganta, como um rufar de tambores, a que imediatamente se sucedeu o clangor sincopado que forma o grito deste animal. O homem já vai atravessando a bruma como um cavaleiro disparado à carga, de lança em riste, enquanto mentalmente implora, Outra vez, salomão, por favor, outra vez. E salomão fez-lhe a vontade, soltou novo barrito, menos forte, como de simples confirmação, porque o náufrago que era já deixara de o ser, já vem chegando, aqui está o carro da intendência da cavalaria, não se lhe podem distinguir os pormenores porque as coisas e as pessoas são como borrões indistintos, outra ideia se nos ocorreu agora, bastante mais incómoda, suponhamos que este nevoeiro é dos que corroem as peles, a da gente, a dos cavalos, a do próprio elefante, apesar de grossa, que não há tigre que lhe meta o dente, os nevoeiros não são todos iguais, um dia se gritará gás, e ai de quem não levar na cabeça uma celada bem ajustada. A um soldado que passa, levando o cavalo pela reata, o náufrago pergunta-lhe se os voluntários já regressaram da missão de salvamento e resgate, e ele respondeu à interpelação com um olhar desconfiado, como se estivesse diante de um provocador, que havê-los já os havia em abundância no século dezasseis, basta consultar os arquivos da inquisição, e responde, secamente, Onde é que você foi buscar essas fantasias, aqui não houve nenhum pedido de voluntários, com um nevoeiro destes a única atitude sensata foi a que tomámos, manter-nos juntos até que ele decidisse por si mesmo levantar-se, aliás, pedir voluntários não é muito do estilo do comandante, em geral limita-se a apontar tu, tu e tu, vocês, em frente, marche, o comandante diz que, heróis, heróis, ou vamos sê-lo todos, ou ninguém. Para tornar mais clara a vontade de acabar a conversa, o soldado içou-se rapidamente para cima do cavalo, disse até logo e desapareceu no nevoeiro. Não ia satisfeito consigo mesmo. Tinha dado explicações que ninguém lhe havia pedido, feito comentários para que não estava autorizado. No entanto, tranquilizava-o o facto de que o homem, embora não parecesse ter o físico adequado, deveria pertencer, outra possibilidade não cabia, pelo menos, ao grupo daqueles que haviam sido contratados para ajudar a empurrar e puxar os carros de bois nos passos difíceis, gente de poucos falares e, em princípio, escassíssima imaginação. Em princípio, diga-se, porque ao homem perdido no nevoeiro imaginação foi o que pareceu não lhe ter faltado, haja vista a ligeireza com que tirou do nada, do não acontecido, os voluntários que deveriam ter ido salvá-lo. Felizmente para a sua credibilidade pública, o elefante é outra coisa. Grande, enorme, barrigudo, com uma voz de estarrecer os tímidos e uma tromba como não a tem nenhum outro animal da criação, o elefante nunca poderia ser produto de uma imaginação, por muito fértil e dada ao risco que fosse. O elefante, simplesmente, ou existiria, ou não existiria. É portanto hora de ir visitá-lo, hora de lhe agradecer a energia com que usou a salvadora trombeta que deus lhe deu, se este sítio fosse o vale de josafá teriam ressuscitado os mortos, mas sendo apenas o que é, um pedaço bruto de terra portuguesa afogado pela névoa onde alguém (quem) esteve a ponto de morrer de frio e abandono, diremos, para não perder de todo a trabalhosa comparação em que nos metemos, que há ressurreições tão bem administradas que chega a ser possível executá-las antes do passamento do próprio sujeito. Foi como se o elefante tivesse pensado, Aquele pobre diabo vai morrer, vou ressuscitá-lo. E aqui temos o pobre diabo desfazendo-se em agradecimentos, em juras de gratidão para toda a vida, até que o cornaca se decidiu a perguntar, Que foi que o elefante lhe fez para que você lhe esteja tão agradecido, Se não fosse ele, eu teria morrido de frio ou teria sido comido pelos lobos, E como conseguiu ele isso, se não saiu daqui desde que acordou, Não precisou de sair daqui, bastou-lhe soprar na sua trombeta, eu estava perdido no nevoeiro e foi a sua voz que me salvou, Se alguém pode falar das obras e feitos de salomão, sou eu, que para isso sou o seu cornaca, portanto não venha para cá com essa treta de ter ouvido um barrito, Um barrito, não, os barritos que estas orelhas que a terra há-de comer ouviram foram três. O cornaca pensou, Este fulano está doido varrido, variou-se-lhe a cabeça com a febre do nevoeiro, foi o mais certo, tem-se ouvido falar de casos assim, Depois, em voz alta, Para não estarmos aqui a discutir, barrito sim, barrito não, barrito talvez, pergunte você a esses homens que aí vêm se ouviram alguma coisa. Os homens, três vultos cujos difusos contornos pareciam oscilar e tremer a cada passo, davam imediata vontade de perguntar, Onde é que vocês querem ir com semelhante tempo. Sabemos que não era esta a pergunta que o maníaco dos barritos lhes fazia neste momento e sabemos a resposta que lhe estavam a dar. Também não sabemos se algumas destas coisas estão relacionadas umas com as outras, e quais, e como. O certo é que o sol, como uma imensa vassoura luminosa, rompeu de repente o nevoeiro e empurrou-o para longe. A paisagem fez-se visível no que sempre havia sido, pedras, árvores, barrancos, montanhas. Os três homens já não estão aqui. O cornaca abre a boca para falar, mas torna a fechá-la. O maníaco dos barritos começou a perder consistência e volume, a encolher-se, tornou-se meio redondo, transparente como uma bola de sabão, se é que os péssimos sabões que se fabricam neste tempo são capazes de formar aquele maravilhas cristalinas que alguém teve o génio de inventar, e de repente desapareceu da vista. Fez plof e sumiu-se. Há onomatopeias providenciais. Imagine-se que tínhamos de descrever o processo de sumição do sujeito com todos os pormenores. Seriam precisas, pelo menos, dez páginas. Plof.
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Olha quem falava…

«Estaline é meio animal, meio gigante. É totalmente indiferente ao lado social da vida. As pessoas podem apodrecer que ele está-se nas tintas.»
Hitler, nove de Agosto de 1942, durante um jantar
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Viagem acabada

José Saramago acabou a escrita do seu novo romance, «A Viagem do Elefante». Um texto de Pilar del Rio, além de outras informações, aqui.
«'A Viagem do Elefante' é um livro coral onde as personagens entram, saem e se renovam de acordo com as peculiares exigências narrativas que o autor se impôs e lhes impôs. O elefante e o seu cornaca têm nome, como outras personagens que figuram nos manuais de história, embora apareçam também pessoas anónimas, gente com quem os membros da caravana se vão cruzando e com quem partilham perplexidades, esforços ou a harmoniosa alegria de um tecto depois de tantas noites dormidas à intempérie.» Pilar del Rio
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O que vou escrevendo

Um pouco do que vou escrevendo…
Pensei na missão impossível em que nos íamos meter. Mas não disse nada.
(imagem do cenário aqui)
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Já agora…

Já agora, algumas notícias sobre o protagonista do texto do Luís (post anterior); esta e esta, por exemplo (na Internet há mais, basta procurar presidente da Câmara Municipal do Paul, Cabo Verde, Américo Silva ou ainda presidente da Associação Nacional de Municípios de Cabo Verde).
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segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Dois textos do Luís (1)

Primeiro de dois textos do meu amigo Luís Bento (o segundo publicarei por estes dias). Eu gosto muito, mas mesmo muito, dos textos dele. Espero que os leitores deste blog também possam gostar.

Quem sou eu? Quem quero ser?
Naquele dia o avião chegou a horas. Eram sete da manhã e já se fazia à pista, abanado pelo vento forte que soprava de leste. Foi uma daquelas aterragens que mais parecem «atracagens», tal a violência do embate com o solo.
Recolhi as bagagens e saí do terminal. Lá estava o carro da companhia à minha espera, para me transportar ao hotel. Rezei a todos os santos para que o quarto onde poderia dormir até ao meio-dia já estivesse vago, pois às sete horas da manhã temos sempre que encarar essa possibilidade.
Confirmaram-se as piores conjecturas. Não havia quarto disponível, só a partir das onze e meia. De forma que não tive outro remédio senão dormir num dos sofás da recepção, com o braço de madeira a servir-me de almofada.
A certa altura, estremeci com o abanão da recepcionista. Eram onze e quarenta e cinco.
Meio estremunhado, peguei nas malas e subi as escadas em direcção ao quarto que me tinham destinado, rogando pragas ao hotel, à recepcionista, a quem (não) fizera as marcações devidamente, enfim, descarregando o meu mau humor em todas as pessoas de que me lembrava e que, de forma directa ou indirecta, poderiam ter algo a ver com aquele incómodo.
Apesar de tudo, tive o bom senso de guardar os rancores e o mau feitio só para mim e correspondi com um largo sorriso quando a recepcionista me abriu a porta do quarto. Antes de me atirar para cima da cama, só tive tempo de lhe pedir que me acordasse à uma e meia da tarde.
Para ajudar, mal coloquei a cabeça no travesseiro comecei a ouvir umas marteladas fortes, ritmadas, na parede ao lado. Parecia que estavam a deitá-la abaixo. Imaginei logo que não iria conseguir dormir e roguei pragas a mim próprio por ter abandonado o sossego da recepção e do sofá.
Ainda não estava definitivamente convencido de que não adormeceria, quando ferrei no sono profundo – o chamado sono dos justos –, só acordando à hora fixada.
Tomei banho, almocei e dirigi-me à companhia para iniciar uma reunião.
Cumprimentei os amigos e os conhecidos, fiquei a conhecer novas pessoas... Uma delas, um rapaz um pouco tímido mas de sorriso franco e muita simpatia, destacava-se de todas as outras, extrovertidas, abertas, expansivas.
Com o decorrer dos dias percebi que o Américo – assim se chamava o tal rapaz tímido – era uma jóia de pessoa, mas que o seu carácter fechado não permitia quaisquer aproximações para lá da cordialidade.
A minha percepção era confirmada pelos colegas que com ele trabalhavam e que o conheciam desde a infância. O Américo era o chamado low profile: tímido, discreto, quase apagado, quase pedindo desculpa de estar ali.
Qual não foi o meu espanto quando tomei conhecimento de que o Américo era candidato às eleições autárquicas, e logo na qualidade de candidato a presidente de câmara… Além de tudo o mais, iria defrontar um dos dinossauros do poder local, numa câmara muito importante.
Toda a gente estava surpreendida com a coragem do Américo; mas, lá no fundo, todos pensavam que ele teria o à-vontade necessário para enfrentar umas eleições com as características mediáticas daquelas.
Como o município em causa ficava longe da capital, o Américo meteu licença sem vencimento. E lá foi fazer a sua campanha eleitoral.
Passavam os dias e não se ouvia falar do Américo.
Até que certa vez, estava eu a ver o canal local de televisão – que dava uma cobertura alargada a cada candidato –, dei com o Américo, empolgado, em cima de um palanque, a fazer um discurso mobilizador para o seu eleitorado. Estava como peixe na água e, para quem o conhecia, irreconhecível. Não era, decerto, o mesmo Américo.
No dia seguinte vimos o outro candidato a «atacar» o Américo, e este a ripostar à letra, desmontando-lhe a argumentação, como se fosse um político já experiente naquelas andanças de falar perante as câmaras de televisão. A assistência aplaudia, em delírio.
O acto eleitoral propriamente dito decorreu num domingo. Logo ao cair da noite foram conhecidos os primeiros resultados. Dúvidas numas zonas, uns votos por contar noutras... A única certeza era a vitória do Américo.
Pulei de alegria, como se fosse um dos seus apoiantes. Sentia uma espécie de aperto no peito, tal era a emoção.
Confesso que num primeiro momento ainda pensei que devia ter percebido ao contrário. Mas não, era verdade. O Américo tinha sido eleito presidente da Câmara Municipal do Paúl, em Cabo Verde; tinha conquistado a mais importante vitória do partido no poder.
Mas que Américo ganhou as eleições?
O Américo apagado, algo triste e sorumbático que todos conheciam?
Não.
Quem ganhou as eleições foi o Américo que só ele próprio conhecia. O Américo que acreditava, o Américo que sentia ter um potencial por descobrir.
Afinal, num universo pouco cintilante de resultados, o Américo foi uma estrela.
Ainda hoje, passados alguns anos, tenho de dizer: «Parabéns, Américo!»
Que outros procurem, como tu procuraste, a força escondida e a crença num futuro diferente.
Que apareçam muitos Américos também por cá, e que todos possamos sentir a alegria de ver os nossos amigos alcançarem as estrelas.

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Talvez procurasse comida

O pequeno fantasma de Fernando Pessoa, apanhado há pouco na cozinha, a rondar o frigorífico. Cada vez é mais difícil fotografá-lo (hoje, estranhamente, apareceu numa divisão que tinha as luzes acesas).
(ver também aqui)
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O que vou escrevendo

Um pouco do que vou escrevendo…
Esfreguei as mãos com um seixo, como se fosse com um bocado de sabão, e depois sequei-as na parte de trás da camisa. Na parte da frente ainda havia vestígios de sangue...
(imagem do cenário aqui)
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Os Dias do Blog – 2

Segunda crónica sobre blogs da série que fiz mensalmente entre finais de 2003 e meados de 2007. Esta é a crónica de Janeiro de 2004. Início aqui.

Isso de reagir à prisão de Saddam
(Janeiro de 2004)
Domingo, 14 de Dezembro, perto das três e meia da tarde (15.29), um texto intitulado «Primeira reacção à captura de Saddam». O mais procurado dos iraquianos tinha sido preso no sábado à noite e, umas horas passadas, bem antes de Bush, Aznar e, já agora, Barroso aparecerem com as suas próprias reacções (Blair tinha-se antecipado), um dos autores do Blogue de Esquerda (http://bde.weblog.com.pt/, o BdE II), Manuel Deniz Silva, lançava para a rede aquela «primeira reacção», quase com champanhe a acompanhar: «Neste blogue abrimos uma garrafa de champanhe quando o regime de Saddam caiu. Agora abriríamos outra se a tivéssemos no frigorífico.»
Postas as coisas assim, e antes dos «grandes» (e, para muita gente, queridos) líderes falarem, vejamos o que se dizia por outras bandas. Por exemplo, Pacheco Pereira, no seu Abrupto (
http://abrupto.blogspot.com/), com o sorumbático título «Prisão de Saddam»: «Se se confirmar, é um acontecimento importante. A chamada ‘resistência’, nome viciado e programático, é, como com maior rigor a imprensa de referência internacional a descreve, um movimento para-militar ligado às estruturas do partido de Saddam, o Baath. Sendo assim, a queda de estruturas de comando político-militar, que estão por trás dos ataques, é relevante para o seu desmantelamento (...)» Reacção a 14, às 11.46.
Voltemos ao Blogue de Esquerda, não para uma segunda reacção aos acontecimentos, mas para isolar um dos comentários recebidos, assinado por NSL (do blog Off & Sina,
http://www.off-e-sina.blogspot.com/): «(...) Temo que toda esta guerra acabe por criar um mito (...). Será Saddam o próximo ícone da resistência anti-americana. Já houve o facto de terem transformado um odiado líder árabe num venerado resistente da causa islâmica, o que não é pouco. Mas, se gostarem de rir, aconselho o blog Al-Qaeda Portugal (...)»
Seguindo o conselho, entremos então na Al-Qaeda de cá (
http://www.al-qaeda-pt.blogspot.com/). Sexta-feira, 12 de Dezembro, um dia antes da prisão de Saddam, um texto intitulado «Estatísticas?!»... «Não há melhor nome para a arte de contar os mortos. São os nossos olhos olhando os olhos estáticos na esperança de, em dois (olhos), contarmos um (morto). Um pequeno dedo que aponta num caderno pautado rabiscado com caracteres árabes: Kathalú 15 (Mataram 15). Seriam 30 olhos com pouco para ver? (...) uma guerra com poucos mortos. (...) na guerra do Iraque 2.0 morreram desde o início 400 americanos e, segundo as estatísticas parciais da ONU, 3.500 civis (entre 5.000 e 10.000 segundo a Igreja Católica), a isso acrescentamos as baixas militares iraquianas, cerca de 30.000 (de acordo com variadas fontes). Assim teremos uma contagem de cerca de 35.400 mortos. (give or take...) Se contarmos que nos ataques de 9/11 morreram 3.030 pessoas (contagem conjunta das torres gémeas, do Pentágono e do avião solitário), veremos que morreram 11,68 vezes mais pessoas na segunda guerra pós-9/11. Ou melhor, se só contarmos com as inocentes mortes civis de ambos os lados, veremos que só no Iraque (no Afeganistão foram outros tantos) morreram mais inocentes do que nos atentados de 9/11. Quase o dobro, para sermos exactos. Se uns não estavam à espera, os outros não podiam fugir. Podemos a isso acrescentar o uso de bombas de fragmentação (proibidíssimas pelas variadas organizações internacionais), que só no Iraque deixaram uma plantação de 2.000.000 de clusters prontas a rebentar. Deve ser assim que querem construir um país novo: oferecendo próteses a metade da população. Enfim, nada mau para um país que, com duas bombas só, matou 250.000 pessoas em 1945. Ainda por cima se orgulham disso ao ponto de terem o avião que fez o lançamento no seu principal museu como atracção principal. (estes americanos são mórbidos)» Assina U-xana Bino Lada e, neste caso, nem dá vontade de rir; noutros talvez...
De novo Saddam, agora no blog Mata-Mouros (
http://matamouros.blogspot.com/), também uma reacção ainda a quente, dia 14 às 13.22. Antes, um esclarecimento: «Quem são os mouros que queremos ‘matar’? – (...) são os atributos perniciosos que pairam no tempo presente e dominam os que lhes não quiseram resistir. O pensamento único, pleno de heteronomia nas suas origens. As condutas doutrinadas pelas tendências. A tradição que assenta exclusivamente na lei da inércia. A superstição mascarada de religião. Os falsos consensos. O corporativismo transformado em lógica existencial. O Estado como dogma insofismável. A ‘cunha’ convertida em elemento insuperável do modo de ser português. O fado como elogio da desdita. O conformismo. A abúlica mansidão. O estar sempre com o que está.» Mas vamos à reacção, «Um lindo dia para a Liberdade» (surgiria depois a versão II): «O tirano foi capturado. Sintomaticamente enfiado num buraco e assemelhando-se – também no aspecto físico – a um sósia de Fidel Castro, foi preso sem resistência. Uma vez mais, sem honra nem glória. Hoje é um grande dia!»
Só que isto de reacções tem que se lhe diga; quando se começa... De novo o BdE... Ainda a 14, sucedem-se as reacções, a «segunda», a «terceira», a «quarta» e até, antes delas, umas «reacções itálicas» Nas «itálicas», «Espera-se que não seja de plástico como o peru.» (Manuel Deniz Silva); na «segunda», «... um traidor sanguinário da sua pátria e do seu povo, um monstro sádico, um realíssimo filho da puta.» (José Mário Silva); na «terceira», «... não gostei de ver os pulos de alegria e os gritos histéricos dos jornalistas (mesmo se iraquianos) e ainda menos o anúncio fanfarrão de Paul Bremer: ‘We got him!’. A guerra não é um jogo de futebol e um adversário militar não é um troféu de caça.» (JMS); na «quarta», «Seria um erro crasso esquecer, hoje, um facto simples: a justiça que finalmente se abate sobre Saddam não torna mais justa uma guerra injusta.» (JMS).
Fiquemos por aqui de reacções. Abre-se agora espaço para a telenovela de Saddam sob prisão. Argumentistas e actores secundários não hão-de faltar.

Blogs consultados
http://www.blogdeesquerda/ (II), mantido por José Mário Silva e Manuel Deniz Silva;
http://abrupto.blogspot.com/), mantido por José Pacheco Pereira;
http://www.off-e-sina.blogspot.com/, mantido por Gonçalo Soares da Costa, Henrique Bastos e Nuno Seabra Lopes;
http://www.al-qaeda-pt.blogspot.com/, com textos assinados por U-xana Bino Lada e outros;
http://matamouros.blogspot.com/, com textos assinados por CAA.
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domingo, 17 de agosto de 2008

Em cima da oliveira

Hoje, ao princípio da tarde, por aqui.
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Confirmou-se

Não pensei muito na final da Supertaça, no que poderia acontecer. Acho que me convenci de que íamos ganhar sem grandes problemas. Confirmou-se. O Sporting 2 (Yannick 2), Porto 0 acabou por ser um jogo tão tranquilo que se não fosse a tendência dos últimos jogos com o Porto até seria de admirar. Organização, empenho, capacidade de luta e um bocadinho de sorte fizeram a diferença contra uma equipa que este ano parece um bocado abandalhada.
Sobre os jogadores, algumas notas… Dois que costumam deixar-me de pé atrás, Polga e Rui Patrício, estiveram bastante bem, mais Rui Patrício do que Polga; o guarda-redes esteve insuperável até no penalty (embora Lucho tenha sido um bocado azelha) e Polga depois de dois disparates à Polga lá se aguentou. Abel fez uma exibição notável, depois do que se disse sobre a possibilidade de ter de ceder o lugar a um colega com grandes limitações na relação com a bola (Caneira). Tonel pareceu-me bastante seguro, Izmailov em excelente forma, Romagnoli de vez e quando com falhanços mas sempre importante, Rochemback com classe embora por vezes não corra muito, João Moutinho algo confuso mas seguro e os dois avançados (Derlei e Yannick) excelentes (com destaque, já se vê, para Yannick). Dos três que entraram (Pereirinha, Postiga e Miguel Veloso), pouco a dizer, até no caso de Miguel Veloso, que eventualmente poderá vir a ter dificuldades esta época. Falta Caneira, que apareceu no lugar de Grimi; talvez tenha sido uma boa opção de Paulo Bento, sabendo-se da tentação de colocá-lo em campo, vá-se lá perceber por quê; no centro da defesa ele seria um perigo (a cada bola que salta encolhe-se sempre, por exemplo), como médio defensivo a loucura estaria ao mesmo nível (embora fosse uma loucura de outro tipo), restando por isso as laterais (e entre Grimi e Abel, obviamente que é melhor sacrificar Grimi, apesar de ser uma injustiça sem explicação); e o castigo pela opção Caneira esteve quase a chegar a Paulo Bento, quando o desastrado jogador fez um penalty impensável (fiquei com a ideia de que cabeceou a bola para a própria mão); mas a noite era do Sporting e nem Caneira parecia capaz de travar a marcha para a vitória.
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sábado, 16 de agosto de 2008

A árvore e o céu

Neste caso talvez já se pudesse falar do título de um romance, não apenas de um conto.
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Também eu

Num texto de José Pacheco Pereira no «Abrupto» leio a certa altura… «Da maneira que o PSD ainda está por dentro, feudalizado, com núcleos muito agressivos de militantes e estruturas que preferem mil vezes que Sócrates ganhe as eleições a que Manuela Ferreira Leite o possa fazer, porque pensam apenas no seu poder interno abalado pela vitória de Maio, há que compreender que há gente capaz de tudo.»
Bom, eu, na parte que me toca, também prefiro (embora não me preocupe em saber quantas vezes) «que Sócrates ganhe as eleições a que Manuela Ferreira Leite o possa fazer». E aquilo a que José Pacheco Pereira chama «poder interno» nem sei bem o que poderá ser, pois não sou militante do partido, embora tenha sido vereador na Câmara Municipal da minha terra depois de ter integrado como independente uma lista do partido, e embora pertença à Assembleia Municipal, também da minha terra, nas mesmas condições. O que sei, e muito bem, é o que significaria uma vitória da senhora para o país – que já a conhece de ginjeira –, daí que prefira que continuemos com José Sócrates e vá votar em branco nas próximas eleições (caso seja mesmo ela a candidata, ou alguém do género). Manuela Ferreira Leite à frente de um governo, além de representar uma enorme ameaça para o nível de vida dos portugueses, poderia facilmente transformar-se num passo atrás na história ainda curta da democracia no nosso país.
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Dois textos sobre Saramago (2)

Segundo de dois textos sobre José Saramago (o primeiro foi publicado neste blog há poucos dias). O autor é o meu amigo António Souto, que os escreveu para uma crónica («Ex-abrupto») que mantém no jornal da sua terra («Jornal D’Angeja»). Este segundo texto é o da edição de Julho.

Da estupidez dos homens
Na crónica anterior (de Junho) referimo-nos à personalidade e à escrita de José Saramago, nosso Nobel da Literatura (1998). Aí mencionámos, de raspão, a infeliz intervenção de um «aspirante a censor» que viria a manchar, já em regime democrático, a nossa liberdade de Abril.
Volto de novo ao assunto depois de ter ido visitar, ao Palácio Nacional da Ajuda, a exposição (já encerrada ao público desde 27 de Julho) intitulada «A Consistência dos Sonhos». Organizada e inaugurada em Espanha, por comissário espanhol, esta exposição traça cronologicamente toda a vida e obra de José Saramago – um universo de sonhos alimentados em criança (em vida áspera iniciada no campo), em jovem (em trabalhos e estudos de constante abnegação e luta) e em adulto (em nome de muitos 'outros' e com a escrita como mester). Uma exposição cuidadosa que enobrece o homenageado e que nos orgulha a nós, portugueses como ele.
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No entanto, nesta mostra biobibliográfica, há dois apontamentos ‘verdadeiros’ que nos envergonham e que nos devem fazer pensar sobre a ignorância e estupidez dos homens, bem como sobre a cegueira política (razões de sobra para lermos «Ensaio sobre a Cegueira» e «Ensaio sobre a Lucidez», ambos de Saramago).
1 – Em 1992, era Cavaco Silva primeiro-ministro e Santana Lopes secretário de estado da Cultura, houve um subsecretário de estado deste último (de seu nome Sousa Lara) que vetou o nome de Saramago – e o seu livro «O Evangelho segundo Jesus Cristo» – para o Prémio Literário Europeu, com o argumento de que este livro não representava Portugal e que atacava «princípios que têm a ver com o património religioso dos portugueses» e, portanto, «longe de os unir, dividiu-os» (Sousa Lara, debate sobre a Cultura na Assembleia da República, Abril de 1992). Tentando justificar esta sua decisão de veto, afirma peremptoriamente: «Esta minha atitude nada tem a ver com estratégias de venda, nem sequer com opções literárias. E muito menos com as escolhas políticas de Saramago. Não entrou em linha de conta o facto de ele ser comunista ou pertencer à Frente Nacional para a Defesa da Cultura» («Público», 25 de Abril de 1992). Acção indigna, esta, que fez com que Saramago transferisse a sua residência para Espanha, para a ilha de Lanzarote, onde ainda hoje vive com a sua mulher Pilar del Rio. Foram precisos vários anos, mais de dez, para que Durão Barroso, em jeito de ‘pedido de desculpa’, condenasse «em absoluto» um acto discriminatório proferido por um governo igualmente do seu partido político e reatasse as boas relações do escritor com Portugal.
2 – Em 1997, quando a Escola Secundária de Mafra propôs para seu patrono o nome de José Saramago, a Assembleia Municipal de Mafra e o respectivo Executivo negaram esta pretensão, através de uma deliberação que a exposição «A Consistência dos Sonhos» dá a ler aos visitantes. A razão principal prendia-se com a publicação, pelo escritor, do livro «Memorial do Convento», obra que em nada valorizava Mafra e os mafrenses, assim mesmo. Por ironia do destino, este romance (que inspirou uma ópera – «Blimunda» – escrita pelo compositor italiano Azio Corghi, estreada em 1990, em Milão) é hoje livro obrigatório de leitura integral no 12º ano de escolaridade. O Ministério da Educação, contudo, contrariando a extenuada argumentação camarária, acabaria por aprovar a designação de «Escola Secundária José Saramago» àquele estabelecimento de ensino.
Também por ironia, ou por valia, em 1998 é atribuído o Prémio Nobel da Literatura a José Saramago, pela sua vasta e singular obra. Está bem de ver que a autarquia mafrense ficou numa situação algo incómoda, de difícil digestão, a tal ponto que em Dezembro do ano passado, e pela mão do mesmo Presidente da Câmara de então, Ministro dos Santos, o Executivo decidiu atribuir a medalha de mérito, categoria de ouro, ao escritor José Saramago, pela sua obra «Memorial do Convento».
Saramago, que faltou à cerimónia, entendeu, porém, receber a distinção, não sem antes declarar: «Que méritos tenho hoje que me faltassem ontem? O meu primeiro e natural impulso foi rejeitar, mas depois pensei na fidelidade, na constância com que durante aquele tempo os meus leitores de Mafra sofreram comigo a repugnante injustiça. Será pois por gratidão a eles, e só por gratidão a eles, que aceitei o distintivo.»
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Assim se faz a história de um homem que, no alto dos seus oitenta e seis anos, já não aspira a mais merecimentos ou a quaisquer fingidas bajulações.
Assim se faz e desfaz a história de outros homens, bem mais pequenos, que dificilmente sairão da sua reconhecida estupidez.
Felizmente que há quem faça exposições como esta, de sonhos sustentados, para bem da História.
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