terça-feira, 15 de janeiro de 2008

O aparecimento do mágico velhinho

Um excerto do meu romance «O Medo Longe de Ti» (edição Temas e Debates, 2003); o aparecimento do mágico velhinho, o causador de boa parte dos muitos problemas que acontecem no meu romance «O que Entra nos Livros» (edição AMBAR, 2007).

(…) Subi a uma das árvores, com todas as certezas de estar bem por baixo da estrela pequenina, mas com medo de me ter enganado no mapa da minha imaginação. Subi como um macaco, de novo criança, eu, que sempre tinha andado em cima das árvores com a mesma segurança com que andava no chão. Nunca tinha percebido como era possível, não o meu equilíbrio nos ramos, mas a falta de equilíbrio de colegas do liceu. Como eles se espantavam com o meu equilíbrio, sempre que era preciso ir buscar a bola ao cimo das árvores que rodeavam o campo de jogos... Eu andava nos ramos como no chão, e nos ramos era tão feliz como nos campos onde caçava grilos. Lembrei-me disso a subir à árvore alta da floresta das regras, para apanhar o beijo da estrela pequenina. Lembrei-me de tudo isso, eu, pequenino, nos ramos das árvores, nos ramos dos limoeiros, sem ligar aos espinhos que rasgavam a pele ao menor descuido. Ouvia os adultos queixarem-se deles, o meu pai, sempre que era preciso apanhar limões. Já comigo isso não acontecia, porque eu ignorava a dor de cada ferida e fechava os olhos sempre que encarava um espinho, como se fosse um instinto ganho à nascença. E nos sobreiros, na época de tirar a cortiça, eu sem ligar às formigas pequeninas, que picavam que nem feras, ou melhor, mordiam que nem feras, davam dentadas pequeninas, como elas, dentadas que doíam mesmo, e andavam sempre às centenas, aos milhares, num carreiro interminável.
Não, em cima das árvores eu sempre tinha sido como um macaquinho saltitão capaz de se segurar bem, e por isso estava a subir tão desembaraçadamente que nem mesmo as martas e os esquilos, mal acordados, estremunhados, de olhares parvos, nem mesmo eles pareciam acreditar ser possível. Teria o município contratado um humano como animal da floresta? E tencionaria contratar mais? Isto pareciam eles perguntar, com medo de perderem os lugares, os abrigos para se recolherem e a comida a horas certas, e a hipótese de posarem para as máquinas de fotografar e de filmar dos turistas. Pareciam com medo, mas eu não me compadecia, também estava cheio de medo, o comboio-ladrão tinha-te levado de mim e algo me dizia que não ias voltar. Ele tinha aumentado a velocidade, o comboio-ladrão, de repente tinha aumentado a velocidade, e depois eu tinha chocado com a mastodonta maluca, eu a descer a colina dos destroços, aos trambolhões, e ela a subir, toda com os calores, mesmo na noite fria.
Quando cheguei ao cimo da árvore, aos últimos ramos, que mal suportavam o meu peso, a estrela do teu último beijo, a estrela pequenina... Caramba... Percebi que ela continuava longe, percebi que estava iludido. Mesmo assim, não me resignei, olhei-a fixamente, apelei a todas as minhas forças, equilibrei-me nos ramos que quase não me conseguiam suportar e tentei apanhar o teu beijo. Chamei os mágicos, que andavam à solta, como todos os outros maus, com excepção, talvez, do terrível Joe Dangerous, ligado a El Paso nem eu sabia por que cordão umbilical. Mas os mágicos não apareceram, deixaram-se estar na fábrica, tirando um, um velhinho de bengala e com uma cartola já comida pelo tempo
(…)

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