terça-feira, 24 de julho de 2007

A Padeira – IV, V e VI

Desta vez, três capítulos (IV, V e VI) de «Brites e as Gaivotas» (início aqui).

Brites e as Gaivotas
Uma história da Padeira de Aljubarrota

»»» Cap. IV
Quem não estava com paciência para grandes esperas era Brites. Queria tornar-se independente. E assim, depois que lhe morreram os pais, depois de os ter infernizado anos a fio, meteu-se a fazer vida de feirante. Desfez-se de todos os haveres da herança e passou a andar de feira em feira pelo Algarve e pelo Alentejo.
- Raios a partam!!
Em pouco tempo ganhou fama, uma fama do tamanho nem as pessoas sabiam bem de quê.
- Se calhar, não há coisa suficientemente grande para a comparação.
- Pois, se calhar.
E assim, com vinte e seis anos no corpo, já era mais temida pelas terras onde andava do que qualquer outro feirante. Com o pau, à mão, às vezes até a poder de espada, Brites não perdia nunca a oportunidade de se meter numa boa luta. E se acontecia que algum adversário saísse sem grandes marcas no corpo era só porque fugia logo a seguir aos primeiros murros. Porque os que iam até ao fim, os mais parvos, nunca deixavam o terreno da luta pelo seu próprio pé.
- A Brites, a feirante do Algarve, é mesmo do piorio!
- Sim, metam-se com ela e depois digam que a gente não avisou!

»»» Cap. V
Mas nem todos ligavam aos avisos. Tanto que se deu o caso de um alentejano, ainda novo e soldado de profissão, querer conhecer Brites pessoalmente. Também ele estava atraído pela fama da feirante. E quando a viu, nem o Diabo se calhar seria capaz de adivinhar por quê, o que teria feito tal milagre acontecer, enamorou-se.
- Com tantas mulheres aí à cata de homem, vai-lhe logo pender o coração para aquele javali!
- Amigo, isto quem feio ama bonito lhe parece.
- Não, cá para mim o alentejano não bate é lá muito bem do juízo. Se calhar ficou assim depois das batalhas em que andou.
Brites não sabia nada de coisas de sentimentos. Nem queria sequer ouvir falar disso. Tanto que assim que o alentejano lhe tentou fazer a corte, sem perder tempo lançou-lhe um desafio.
- Está bem! Caso contigo, mas só depois de ganhares um combate!
- Contra quem?! - Perguntou o alentejano.
- Contra mim! - Gritou Brites, já impaciente para começar a zaragata.
E o alentejano aceitou.
- Pobre desgraçado!
- Bem, é o amor, o tal que move montanhas.
Os pormenores não demoraram muito a acertar. Arranjaram-se as testemunhas e estabeleceram-se as regras, e depois foram escolhidas as armas.
- Eu quero o pau! - Gritou Brites.
A feirante parecia cada vez mais impaciente.
- As mulheres, quando se trata destas lutas, escolhem sempre o pau.
- Tirando as esquisitas.
- Sim, tirando as esquisitas.
O alentejano voltou a aceitar, cada vez mais enamorado. Só que daí a pouco jazia morto aos pés de Brites, com a cabeça feita num bolo. Ninguém tinha percebido era se a feirante ao fazer o desafio estava a ironizar, ou se realmente tinha pensado que podia desposar um morto. Mas também ninguém se atrevia a perguntar-lhe.
- Estimamos muito a vida.

»»» Cap. VI
Brites acabou por ver a gravidade do seu acto, e o que iria penar se a lei lhe caísse em cima com as suas enormes manápulas. E por isso não perdeu tempo. Arrumou os poucos haveres e meteu-se de volta ao Algarve com a trouxa às costas. Talvez desse o salto para o Castela, ou então outras ideias lhe haveriam de surgir.
- Brites voltou!
Depressa chegou a Faro, mas não ligou muito aos laços de nascimento. À custa de muita argumentação, meteu-se num barco que se ia fazer pelo Mediterrâneo a fora e deixou-se levar pela esperança de encontrar algum porto de bom abrigo.
- Já embarcou para se ir embora de Portugal.
­- E sabe-se lá para onde aquilo vai!­­­­­­­­
- Gritem aí ao capitão ­qual é o destino!
- Qual é o destino?!
- Força a ver se ele ouve!
- Qual é o destino?!!!
- Qual quê! Já lá vai o barco e o cabrão não disse nada.
- Pois não...

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