sexta-feira, 20 de abril de 2007

Textos sobre livros – 24

O texto que escrevi quando há dois anos saiu o mais recente volume de aventuras de Astérix, em nova editora e com umas opções esquisitas de tradução.

Livro: «Astérix – O Céu Cai-lhe em Cima da Cabeça», de René Goscinny/ Albert Uderzo (Edições ASA, 49 pp.)

Nem só os romanos são loucos
Pequenix, o gaulês

Trigésima segunda aventura dos irredutíveis gauleses, embora desta vez não tenham conseguido ser tão irredutíveis como isso; pelo menos no que a Portugal diz respeito, pois a verdade é que, assim sem mais nem menos, alguém se lembrou de mudar o nome a muitos deles e os gauleses nem ai nem ui. O protagonista ainda escapou, mas quem sabe se não estivemos perto de ter entre nós as aventuras de um gaulês chamado Pequenix?
Regresso em 2005 dos gauleses da pequena aldeia rodeada por quatro campos romanos, mas trata-se de um regresso com alterações esquisitas (para quem só tinha lido os álbuns da Meribérica). Depois de «Astérix e Latraviata» (2001), eis a trigésima segunda aventura do pequeno gaulês e do seu amigo gordo especialistas em menires (há ainda um outro álbum na colecção, um conjunto de pequenas histórias que foram sendo publicadas na imprensa ao longo de vários anos).
Esta nova aventura surge vinte e oito anos após a morte de René Goscinny, até essa altura o argumentista da série. É a oitavo criada apenas por Albert Uderzo, o desenhador e após 1980 também autor dos argumentos. Entre as primeiras vinte e quatro e as últimas oito há como que uma fronteira, ou melhor, um grande fosso. Aliás, «O Grande Fosso» (que Uderzo já associou ao Muro de Berlim) é precisamente o título da primeira aventura criada apenas por Uderzo, depois da morte de Goscinny em 1977, quando estava para sair o vigésimo quarto álbum, «Astérix Entre os Belgas».
Se os argumentos de Gosciny (cujo nome continua a aparecer nas capas) se centraram nos heróis e na própria aldeia gaulesa, contrapondo-lhes muitas vezes temas do nosso tempo, já a imaginação de Uderzo parece levar sempre a outros caminhos, que talvez não sejam os mais felizes. O aparecimento de extraterrestres nesta última aventura é mais um sinal disso, depois de termos dado de caras com os pais de Astérix e de Obélix e de termos conhecido a vida amorosa do cão Ideiafix (em «Astérix e Latraviata», álbum que homenageou Giuseppe Verdi, no centenário da sua morte, com o nome escolhido para a actriz romana que se transformou numa sósia de Falbala a sair de umas das famosas óperas do compositor italiano). E depois de outra homenagem, desta feita a Kirk Douglas, em «O Pesadelo de Obélix» (a trigésima aventura, de 1996), onde apareceu um tal Spartakis com a cara do actor norte-americano que no filme «Spartacus» desempenhou o papel do lendário escravo que chegou a fazer tremer Roma.
Com a tradição das homenagens, não é de estranhar mais uma agora, em «Astérix – «O Céu Cai-lhe em Cima da Cabeça». Trata-se de Walt Disney, sobre o qual Uderzo escreve: «permitiu, a mim e a alguns companheiros, cair no caldeirão de uma poção da qual só ele detinha o grande segredo». Os extraterrestres são criaturas inspiradas em personagens de Walt Disney («wendysitals», «superclones» que fazem de «xexérifes» ou «nagmas»); são eles o céu que cai em cima da cabeça de todos os gauleses (e dos romanos, já agora, para não falar dos piratas), não apenas de Astérix, como a tradução do título dá a entender.
A propósito de tradução… A mudança de editora implicou novas traduções para as aventuras de Astérix. Mudou muita coisa. Dois dos campos romanos que cercam a aldeia ficam na mesma, mas um terceiro passa de Babaorum a Babácomrum e o célebre Petibonum passa a Factotum. Coisa pouca, mas depois vêm as personagens, e aí é bem pior. Os dois expoentes máximos da mudança são o bardo e o chefe. O velho Abraracourcix passa, imagine-se, a Matasétix (?) e Assurancetourix muda para algo que supostamente deveria ter graça, Cacofonix. Panoramix, o druida, escapa, talvez por artes mágicas, mas do mesmo não se pode gabar o truculento Agecanonix (passa a Decanonix – enfim, o decano). Já o peixeiro Ordralfabetix passa Ordemalfabetix. O cão Ideiafix aguenta-se, assim como o dono, Obélix. E Astérix, a mesma coisa; mas quem sabe se não esteve para passar a qualquer coisa como Pequenix, assim como Obélix pode muito bem ter estado perto de ficar o resto da vida na nova editora condenado a ser o Gordix, ou, seguindo a lógica escolhida para o chefe, o Devorajavalixes, ou o Carregamenirixes. Os romanos, enfim, continuam a ser romanos.
Apesar destas mudanças, e dos caminhos da imaginação de Uderzo, é sempre de festejar cada regresso dos famosos gauleses. Depois de quatro anos sem aparecerem com novidades (tirando aquela colectânea de pequenas histórias, onde começou a trapalhada da mudança dos nomes), já se lhes notava a falta.

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