sexta-feira, 8 de dezembro de 2006

Houve tempos em que as coisas eram piores

Sim, é verdade, as coisas não estão nada boas no Sporting, e era fácil de ver no que iam dar certas apostas, nomeadamente aquela de meter à mistura com os jovens craques alguns jogadores ou maus ou medíocres. Mas já houve tempos em que as coisas estiveram piores. Veja-se, por exemplo, este texto que escrevi em Fevereiro de 1998…


»»» O Leandro é um bom miúdo
Nos últimos três jogos do campeonato nacional de futebol, em nove pontos possíveis o Sporting conquistou um. A equipa caiu na classificação até ao quinto lugar, escapando do sexto porque o Salgueiros escorregou. Está a dezassete pontos do Porto, a sete do Benfica, a seis do Guimarães e a um do Rio Ave. Para além de tudo isto, como se o cenário não fosse já suficientemente mau, foi eliminado da Taça de Portugal pelo Sporting de Braga, equipa a que também não conseguiu ganhar em casa, há menos de um mês, jogando contra nove adversários. Carlos Manuel, o popular (?) Carlão, tem-se desdobrado em explicações; quer dizer, desdobrado mesmo no verdadeiro sentido da palavra, porque as explicações são as mais variadas. No início da deplorável saga, perdendo, ganhando ou empatando, Carlão dizia sempre que a equipa tinha trabalhado bem, que estava com uma boa atitude, que tinha sido séria, além de outras banalidades que não se deviam admitir nem a um entregador de
pizzas, quanto mais a um treinador de um clube de futebol que dirige a equipa que dirige e parece que ganha cinco mil contos por mês. Mas Carlão dizia outras coisas nessa altura, como o futuro ser já amanhã, o Leandro ser um bom miúdo, um campeão, e que era preciso trabalhar bem, de novo ter atitude, ser sério e trabalhar sempre de uma forma séria. Carlão estava na fase da seriedade.
Um dia o Leandro não gostou de uma decisão de Carlão e mandou-o dar uma volta, abandonando o treino em seguida. Da mesma maneira que antes tinha mandado dar uma volta o «Chico Vital» (como chamava José Roquette a Francisco Vital). Carlão não convocou o Leandro para o jogo seguinte, contra o Rio Ave, mas mesmo assim conseguiu arrancar um empate a ferros em Vila do Conde. Dias depois vieram as pazes, Carlão perdoou o Leandro e voltou a convocá-lo, e o Leandro marcou três golos a uma fragilizada equipa do Belenenses. O «miúdo sério e campeão» finalmente deu um ar da sua graça. Um dos raríssimos ares da sua até então escassa graça, e aceitou mesmo, uns dias depois, ir levar um bolo de aniversário a Carlão acompanhado por uma equipa de reportagem da SIC. O «miúdo», a caminho da casa do treinador, nem sabia o que haveria de vir a dizer, mas à chegada lá se desenrascou. Carlão ficou de boca aberta, mas depressa se recompôs e começou com as afirmações da praxe. Que o Leandro, «aquele malandro!», era «um bom miúdo». E que tinham de ficar para jantar, e que não era por aquilo que o Leandro ia jogar se não trabalhasse e se não fosse «um miúdo sério». Era a fase de bem receber do popular (?) Carlão.
Depois Carlão entrou na fase de se trocar todo. Empatou em casa com o Braga, a jogar contra nove esgotados minhotos, e ainda teve a lata de dizer que tinha jogado contra a equipa mais defensiva do campeonato. Passados uns dias, essa mesma equipa tão defensiva despachou-o da Taça de Portugal com três a um. Ainda pior do que o modesto Chaves entretanto fizera, depois de Carlão ter dito que esperava que em Trás-os-Montes não viesse a faltar a luz durante o jogo. Era melhor que tivesse mesmo faltado. Carlão já começava a fazer experiências com os mais novos jogadores da equipa, alguns deles do clube-satélite. O Leandro, o «miúdo sério», tinha que ser acompanhado por outros miúdos, senão era capaz de se zangar outra vez. Ele parecia contentar-se cada vez menos só com doze ou treze mil contos por mês. Precisava de um ambiente mais alegre, e além disso apregoava na capa de uma revista que queria uma namorada. Demonstrava que, além de ser «um miúdo sério» e de ser «um malandro» («Oooolhó malandro do Leandro, veio-me trazer um bolo de aniversário!!»), demonstrava, dizia, que não era nada parvo.
E a fase do trocar-se todo instalou-se mesmo. Carlão entregou os cordelinhos da equipa ao pequeno Afonso Martins. E deu-se mal, tanto mais que o talentoso Pedro Barbosa logo para azar entrou num período em que pouco se mexia pelo relvado. Para ajudar à festa, o marroquino Hadji já há muito que desertara para o Coruña, enquanto que o antes tão estranhamente elogiado Didier Lang mostrou definitivamente o artista que era na realidade. Assim como muitos outros confirmaram também aquilo de que quase toda a gente já desconfiava. Tanto que o Sporting caiu até ao quinto lugar. E o futuro, para Carlão, passou a ser não já amanhã, mas sim bem no próprio futuro, talvez para a próxima época. E a equipa deixou de ser «séria», e de «trabalhar», e de «ter atitude», e de «meter o pé». De forma que as responsabilidades de Carlão, na óptica dele, dele Carlão, entenda-se, só lhe podem por isso começar a ser assacadas na próxima época, para a qual já começa a ter grandes planos de cobiça a alguns jogadores do Salgueiros.
Mas Carlão não tem culpa de tudo; o popular (?) Carlão está inocente. Assim como o popular Quim Barreiros estaria inocente se também o tivessem escolhido para treinador do Sporting. Se calhar Carlão nem tem culpa de nada. Afinal, não foi ele quem se pôs lá, nem foi ele quem gastou dois milhões de contos em meia-dúzia de jogadores que pelas provas dadas poderiam facilmente ser substituídos por um grupo de jovens da divisão de honra. Nem foi ele que escolheu para seu antecessor um treinador que se tinha distinguido precisamente a treinar o Famalicão. Assim como não foi ele que contratou o despropositado Vicente Cantatore para fazer a ligação de vinte dias entre os dois. Além disso, não foi ele que negou apoio ao mesmo Cantatore quando este, mesmo despropositado, começou a querer desfazer-se dos indesejáveis do plantel. E também não foi ele quem fez com que Octávio Machado, que tinha a equipa a lutar em todas as frentes, se demitisse para não ter de aturar aqueles que não passam um dia sem disparar contra os próprios pés. Ou melhor, contra as patas do desgraçado do leão.

Sem comentários: